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A encruzilhada da Venezuela: eleições ocorrem em um país empobrecido, dividido e tenso

Artigo do repórter Raul Dias Filho, da RECORD, enviado a Caracas para acompanhar as votações no país

Um país empobrecido, dividido e tenso. Este é o retrato da Venezuela de hoje. A pobreza, que atinge 90% da população, é fruto de uma crise econômica e social que se arrasta há mais de dez anos e provocou um êxodo migratório como poucas vezes se viu no mundo.

 

A Venezuela tem 30 milhões de habitantes. Pelo menos cinco milhões de venezuelanos deixaram o país nos últimos anos. Só a Colômbia, país vizinho, acolheu cerca de três milhões de pessoas que deixaram a Venezuela em busca de uma vida digna ou simplesmente para ter acesso à alimentação.

A economia do país está totalmente dolarizada. Tudo é comprado e vendido em dólar americano. O salário mínimo, congelado há dois anos, é equivalente a 3,5 dólares, cerca de vinte reais. Uma cartela com 20 ovos custa mais do que isso em qualquer feira de Caracas. Unido na pobreza, o povo se dividiu na política.

O atual presidente, Nicolás Maduro, comanda a Venezuela com mão de ferro desde que assumiu o poder, em 2013, depois da morte do antigo mandatário, Hugo Chavez. Na Venezuela, o mandato presidencial é de seis anos e o presidente pode se recandidatar quantas vezes quiser.

Maduro cumpre essa cartilha à risca e parece disposto a se eternizar no poder. Mas desta vez enfrenta um adversário com forte apoio popular. Pelo menos é o que indica a maioria das pesquisas eleitorais, que apontam Edmundo Gonzalez Urrutia como grande favorito para as eleições de domingo.

Urrutia é um ex-diplomata que nunca exerceu cargos de gestão. Ele foi indicado como candidato depois que María Corina Machado, uma ex-deputada conservadora e líder da oposição, foi impedida pela Justiça Eleitoral da Venezuela de se candidatar por causa de supostas irregularidades fiscais durante o mandato como deputada. Como se fosse a ‘ficha suja’ que vigora no Brasil.

Só que o impedimento de Corina teve efeito inverso ao que pretendia o governo de Maduro. Ao invés de ofuscar, transformou Corina numa espécie de símbolo da esperança e da renovação. Tanto que o candidato indicado por ela, Urrutia, passou de completo desconhecido a favorito nas pesquisas eleitorais.

A divisão política do país ficou explicita na última quinta-feira, último dia de campanha dos candidatos. O governo de Nicolás Maduro interditou as principais ruas e avenidas do centro de Caracas. Montou palanques com músicos em todas as esquinas próximas ao lugar escolhido para o comício de encerramento. E fretou centenas de ônibus, que trouxeram eleitores e simpatizantes de todas as partes do país.

A imagem do comício foi poderosa. A Avenida Bolívar, que corta Caracas, foi totalmente tomada pela multidão. Enfim, passou o recado que Maduro pretendia dar: de que as pesquisas não refletem a verdadeira opinião do povo.

Enquanto isso, do outro lado de Caracas, em um bairro de classe alta, outra multidão se formou. Esta, para gritar em apoio a Urrutia. Não houve comício ou discurso em palanques, até porque o governo coibiu a montagem de palanques naquela área. Urrutia e Corina desfilaram na carroceria de um caminhão e foram ovacionados pela multidão.

Corina, de certa forma, é vista pelos seus partidários como a pessoa que pode redimir e curar todos os males que afligem a Venezuela. Ou seja, um contraponto perfeito à imagem disseminada por Maduro: a de um herói incansável que luta contra tudo e contra todos. E é a partir dessa disputa feroz que efervesce o terceiro ingrediente desse caldeirão em que se transformou a Venezuela: a tensão.

Ninguém sabe o que vai acontecer no momento em que forem divulgados os primeiros boletins eleitorais. O que se imagina é que, seja qual for o resultado, haverá inconformismo, protestos e, possivelmente, confrontos entre os eleitores dos dois candidatos.

Para inflamar ainda mais os ânimos, Maduro afirmou, durante a semana, que ‘haverá um banho de sangue na Venezuela’, caso ele não vença a eleição. O mandatário supremo do país não parece nem um pouco disposto a passar o bastão, mesmo que o resultado das urnas não seja favorável a ele.

E é assim, empobrecida, dividida e tensa, que a Venezuela caminha para a eleição que pode marcar definitivamente sua história.

 

 

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