O Senado aprovou em 1º turno nesta 4ª feira (7.dez.2022), por 64 votos a favor e 16 contrários, a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que fura o teto de gastos e tem impacto fiscal de mais de R$ 200 bilhões. O texto foi aprovado com poucas mudanças em relação ao que passou pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça).
Os senadores ainda precisam analisar 3 destaques apresentados pelo PL, Podemos e PP. Depois do 2º turno, a PEC segue para a análise da Câmara. No entanto, já se trata de uma vitória expressiva para o governo do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Marcada para 16h, a sessão do Senado para a votação da PEC teve início 43 minutos depois. A análise da proposta, entretanto, só começou às 19h36. Antes, senadores homenagearam o colega Fernando Bezerra (MDB-PE), que fez um discurso de despedida da Casa Alta, já que seu mandato está no fim.
O texto recebeu 11 emendas de plenário que não alcançaram o número de assinaturas necessárias para deliberação dos congressistas. Só a proposta do senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR) foi analisada e rejeitada pelo relator Alexandre Silveira (PSD-MG).
A emenda de Guimarães propunha diminuir a folga de R$ 145 bilhões no teto de gastos por 2 anos para R$ 100 bilhões apenas 1 ano. O senador também sugeriu que o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), envie a nova proposta de regime fiscal para o Congresso até 30 de junho de 2023, e não mais até 31 de agosto de 2023.
Aprovar a PEC antes da posse foi a forma escolhida pelo grupo de Lula para continuar pagando o Auxílio Brasil no valor de R$ 600. O petista também prometeu na campanha presidencial dar um adicional de R$ 150 para famílias com filhos de até 6 anos.
Propostas de emenda à Constituição, porém, são o tipo de projeto mais difícil de ser aprovado. Demanda ⅗ dos votos no Senado e na Câmara, em 2 turnos de votação em cada Casa. Também dificulta o fato de finais de anos eleitorais costumarem ser mais esvaziados no Legislativo.
Outro complicador é o cronograma exíguo. O Congresso funciona só até 22 de dezembro de 2022. Depois, vem o recesso.
A ideia inicial era fazer uma negociação conjunta entre Senado e Câmara para os senadores aprovarem um texto palatável para os deputados. Assim, seria menor o risco de a Casa Baixa alterar o projeto e precisar de nova análise pelo Senado.
Em uma reunião na 2ª feira (5.dez) entre congressistas e os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), os deputados não asseguraram uma votação sem alterar o texto dos senadores caso não haja um amplo acordo.
Foi solicitado, então, que o Senado aprovasse a proposta já nesta semana, mesmo que não haja acerto fechado com a Câmara. Nessa hipótese, os deputados fariam alguma alteração no texto e os senadores precisariam estar mobilizados para votar a proposta novamente em seguida.
O líder do governo Bolsonaro, deputado Ricardo Barros (PP-PR), disse que a proposta deve ser votada na Câmara na próxima 4ª feira (14.dez).
EMENDAS DE RELATOR
O artigo mais relevante da PEC fura-teto para lubrificar o apoio à proposta no Congresso é o que permite liberar até R$ 22,97 bilhões que podem ser gastos ainda em 2022, sem grandes vinculações sobre como o dinheiro será empregado.
Na prática, parte desse dinheiro servirá para liquidar até 31 de dezembro de 2022 o pagamento das chamadas emendas de relator, do tipo RP9 (uma classificação interna do Congresso).
As emendas são uma parte do Orçamento que o relator da LOA (Lei Orçamentária Anual) define a destinação, mas não há a devida transparência sobre onde os recursos são empregados e quem pede por eles. Esse tipo de dispositivo tem sido negociado entre os deputados e senadores para viabilizar a aprovação de projetos de interesse do governo.
Segundo o Poder360 apurou, Lira gostaria de pagar cerca de R$ 10 bilhões em emendas de relator para os deputados ainda em 2022. Isso deixaria ainda mais garantida a reeleição de Lira para mais um mandato de 2 anos no comando da Câmara –a eleição é na 1ª semana de fevereiro, depois da posse dos novos deputados (em 1º de fevereiro de 2023).
Barros, por sua vez, defendeu usar a PEC para tentar salvar as emendas de relator. A modalidade de repasse está em julgamento no STF (Supremo Tribunal Federal) e os congressistas temem perder essa prerrogativa caso não coloquem o dispositivo na Constituição.
O deputado afirmou que o Senado deve colocar um dispositivo para “constitucionalizar” a emenda de relator e “matar o julgamento do STF“. Ele queria colocar o trecho já na votação desta 4ª, mas a ideia não ganhou aderência entre os senadores.
“Isso tem que vir do Senado. Não adianta, a gente põe aqui e o Senado não vota, a gente só se desgasta” , declarou.
Com o julgamento em curso no STF, os congressistas querem correr para incluir as emendas de relator no texto constitucional.
Caso o complemento para liberar as emendas de relator não passe no Senado, outra opção seria colocar o dispositivo na Câmara e, então, devolver a PEC alterada para a Casa Alta. Essa possibilidade é mais arriscada, porque não deve haver unanimidade entre os senadores sobre o tema.
O senador Otto Alencar (PSD-BA), que apoia o presidente Lula, diz que não teria problema em aprovar um texto que constitucionalize as emendas de relator se a PEC chegar assim da Câmara. Já o senador Humberto Costa (PT-PE) declarou que, se os deputados colocassem isso na proposta, o Congresso poderia promulgar só os trechos comuns da PEC fura-teto e ignorar as “novidades” da Câmara.
O desfecho do julgamento no Supremo sobre a constitucionalidade das emendas de relator deve se encerrar na próxima semana.
MUDANÇAS E IMPACTO FISCAL
Já na tarde desta 4ª feira (7.dez.2022), o relator da proposta apresentou nova versão do texto, com 2 mudanças.
A 1ª estende até o fim de 2023 o prazo para Estados e municípios executarem recursos que receberam diretamente do Fundo Nacional de Saúde e do Fundo Nacional de Assistência Social para enfrentamento da pandemia.
Segundo o senador Alencar, há cerca de R$ 2 bilhões nos fundos dos entes subnacionais que se enquadrariam na regra e ficariam liberados por mais um ano.
A 2ª mudança contempla todas as ICTs (Instituições Científicas, Tecnológicas e de Inovação), e não apenas a Fundação Oswaldo Cruz, com a liberação do teto de despesas custeadas por “receitas próprias, de doações ou de convênios, contratos ou outras fontes”.
Como mostrou o Poder360, a proposta orçamentária de 2023 reserva, só para a Fiocruz, R$ 7,5 bilhões em verbas que ficariam fora do teto pela regra da PEC.
O impacto fiscal total da versão da PEC fura-teto aprovada pode alcançar ao menos R$ 204,1 bilhões. A estimativa leva em conta os dispositivos que liberam até R$ 24,6 bilhões de contas do PIS/Pasep, R$ 7,5 bilhões para a Fiocruz e R$ 5 bilhões para universidades.
Silveira escreveu em seu parecer que o impacto fiscal seria de R$ 168,9 bilhões. Mas, sem detalhar valores, incluiu no texto, ainda na CCJ, novas exceções permanentes ao teto de gastos que fazem o furo total superar os R$ 200 bilhões.A estimativa do impacto fiscal total da PEC é do especialista em orçamento público Dalmo Palmeira.
As exceções permanentes se somam à folga de R$ 145 bilhões que o texto abre no teto de gastos em 2023 e 2024. Apesar de ser mais um furo no mecanismo, o relator da PEC descreveu a medida como uma “ampliação” do teto.
O valor é fruto de um corte de R$ 30 bilhões da quantia proposta inicialmente, de R$ 175 bilhões, que corresponde ao custo total do Auxílio Brasil de R$ 600 e do adicional de R$ 150 por família beneficiária com crianças de até 6 anos.
Para aprovar a PEC na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), senadores aliados ao presidente Lula aceitaram a redução da cifra.
Leia os tipos de despesa que a PEC tira do teto:
dinheiro de contas do PIS/Pasep sem movimentação há mais de 20 anos – até R$ 24,6 bilhões;
investimentos pagos com excesso de arrecadação – até R$ 23 bilhões;
despesas da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) pagas com receitas próprias, doações ou de convênios – R$ 7,5 bilhões;
despesas de instituições federais de ensino pagas com receitas próprias, doações ou de convênios – R$ 5 bilhões;
projetos socioambientais pagos com doações ou recursos de acordos judiciais e extrajudiciais – R$ 42 milhões;
investimentos em infraestrutura de transportes pagos via empréstimos junto a organismos multilaterais – sem valor estimado;
obras e serviços de engenharia executados pelo Exército com dinheiro de transferências de Estados e municípios – sem valor estimado.
Os valores que a PEC liberaria para a Fiocruz, as universidades e os projetos ambientais estão previstos no PLOA (projeto de lei orçamentária anual) 2023.
Já o valor em contas esquecidas do PIS/Pasep está no último balanço divulgado pela Caixa Econômica Federal, em agosto. Segundo a Caixa, o dinheiro foi deixado por 10,6 milhões de pessoas que trabalhavam com carteira assinada ou como funcionários públicos de 1971 a 1988.
Fonte: Poder360