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Matões, o poema definitivo de Genuíno Sales

Matões é o poema definitivo sobre o município piauiense de Pedro II, essa máxima parece ser um ponto pacífico entre os literatos daquele promissor município piauiense. Trata-se de um poema épico, longo, portanto, com várias camadas de significação. Seu vocabulário é sóbrio, sem beirar o erudito oco.

 

O que vou lhes contar aqui é de quando ouvi da boca do próprio autor esse poema. O professor Genuíno Sales costumava vir à cidade de Pedro II com frequência, embora residisse em Fortaleza e trabalhasse como diretor da Faculdade Farias Brito.

Pois  ele nos mandou um recado que chegaria tal dia, assim, assim e queria seus amigos no Bar do Clube. Éramos ao todo uns vintes. Não passava das 16 h, a maioria já estava acomodada nas cadeiras ao redor das mesas nas quais brotavam algumas garrafas de cerveja.

Dali a meia hora chegava o professor Genuíno Sales, após cumprimentar a todos pegando na mão, acomodou-se em uma das cadeiras, colocou sobre a mesa uma pasta de couro e pediu um copo ao garçom.

 

MATÕES

Matões,

na poeira púrpura de teu solo agreste,

que  avermelhava a face rude de teu lavrador,

nasceu o poema eterno de tua augusta História,

que até hoje ninguém contou.

tua poesia selvagem

tem cheiro de terra molhada das primeiras chuvas

e evoca imagens deslumbrantes

de suaves auroras

e de comoventes crepúsculos

que trazem e que levam,

nas asas do tempo,

o gosto supremo de infinitas saudades!

Matões, tu és poema em tudo:

no azul-escalarte de tuas serras,

que contornam as lonjuras

Dos teus imensos sertões cobertos de carnaubais.

Poesia- na existência férrea de teus caboclos

e na bravura dragoniana de teus vaqueiros

que, órfãos de fortuna,

afrontam ambos as intempéries da vida,

ruminando o mesmo destino avesso

no seio bárbaro das brenhas,

onde Deus fez a escolha para plantar o sertão!

Matões, eu não compreendo porque mudaram o teu nome,

violentando as estranhas

das musas voluptuosas que te geraram

com o cio do amor telúrico!

Matões, tu és poema nas latadas dos terreiros,

onde nas noites de festas

o som de fole gaiteia

e a cabocla autêntica sambeia

Requebrando, ensopada de suor.

o teu poema contrasta a bonança e o flagelo

no rigor das invernadas

e no desastre das secas,

quando a miséria amortalha

e sepulta as esperanças

nas mesmas covas fatais

em que se enterram as crianças

que na fome já nasceram propensas para morrer!

Matões, o teu poema é triste

na pobreza do teu povo,

teu povo que passa fome,

do teu povo abandonado,

que tem fome de saúde,

que tem fome de escolas.

Teu povo, que chora lágrimas perdidas

Quando os filhos, já crescidos, sem trabalho,

Se vão no êxodo rural.

Na aventura longa e sofrida

Lá para as bandas do Sul

Buscando melhores dias

Na terra desconhecida, que julgam da promissão.

Matões, eu não compreendendo porque mudaram o teu nome

O teu poema eterno é gibão e chapéu de couro,

E aboio de vaqueiros nas porteiras dos currais

É cheiro de bamburral,

De canela-de-cunhã

De mato das capoeiras,

Onde caem as folhas murchas do sol quente de fins d’água!

O teu poema alvorece com cheiro de farinhadas,

Na orquestra vibrante dos galos solenes

Que cantam mistérios

Fluidos nas brisas de tuas madrugadas!

O teu poema estremece no ranger das moendas

Dos mortos engenhos-de-pau,

Nas longas moagens de cana

Qie deixaram na saudade

A imagem do boi-manso na caminhada sem fim.

Teu poema está escrito

Na conquista dos Irmãos Pereira,

Que te plantaram a semente

Entre os cocais altaneiros

No seio das palmeiras, onde a cidade nasceu

Matões, eu não compreendo porque mudaram o teu nome

O teu poema histórico

Vive para sempre, a saga empolgante de teus coronéis,

No calor das contendas políticas

Nas brigas de terras,

Nas lutas dramáticas de sangue e ódio,

Fazendo o teu passado,

Construindo a tua História!

O teu poema é milagre na Cova da Maria Alves

Onde ex-votos retratam

Entre garrafas perdidas,

A mística inocente de tua gente cristã.

Teu poema são orações na Igreja da matriz,

Que foi de tudo o começo,

Na fé de tudo o começo,

Na fé pioneira de teus fundadores.

Na torre, ontem baixa, arredondada,

Hoje, pontuada, furando o céu.

A velha torre, onde o sino cambaleia

E geme, em tom de saudades,

Os tempos que já se foram!

Onde o galo vigilante contemplava a amplidão!

Matões, eu não compreendo porque mudaram o teu nome.

O teu poema são raízes do velho Tamboril da Feira,

Que nos serviu de mercado

Foi centro comercial!

Que sombreou ambulantes

Que abrigou cangaceiros.

Teu poema se urge nas torres das choupanas

Onde as moças caprichosas tecem as redes de dormir.

Matões, tu és poema em tudo

No velho Itamaraty,

No bairro do Cruzeiro

Que também foi Piquizeiro,

Que já foi Cajueiro Torto,

Nas Opalas do Boi-Morto, que o contrabando levou.

Matões, eu não compreendo porque mudaram o teu nome.

Teu poema são suspiros da Ladeira do Pirapora,

Da passagem, que virou Vila,

Do poço do Jacaré

Do bairro do Saborá,

Da ladeira da Catingueira,

Da ladeira do Pimenta,

Das águas da Bananeira!

Matões, o teu poema está em tudo:

Na velha usina cansada,

Que, vomitando faíscas, a cidade iluminou

No sertão da cadeia, onde a justiça empacou.

O teu poema viveu o drama das revoluções:

Na passagem da Balaiada na Serra do Gritador,

Na marcha dos revoltosos

E depois dos legalistas

Que espalharam o terror.

Matões, o teu poema está na terra,

O teu poema está no homem,

O teu poema está em tudo.

Na praça da Independência

Na capelinha de São João,

Nas alegres quermesses e nos fartos leilões,

Nas procissões fervorosas

Nos festejos da virgem da Conceição.

O teu poema passeia na Pracinha da Matriz

Onde outrora os namorados

Disputam a sombra escura

Sob-os fícus-benjamins para aconchegos de amor

Nos bancos que se aproximavam em carrancas trabalhadas,

Testemunhos marmóreos de tantos idílios!

Teu poema são acordes vibrantes

 

Da banda de música do Mestre Alessandro.

Rompendo alvoradas nos dias de festas do mês de dezembro!

O teu poema são anseios de liberdade

Na esperança de teu povo

Que sonha melhores dias,

Derramando suor de lágrimas no triste amanho da terra

Da poeira purpúrea

Que avermelha a face rude de teu lavrador sem terras

Matões, eu não compreendo porque mudaram o teu nome

Mas teu poema não muda,

Teu poema está na terra,

Teu poema está no homem,

Teu poema está em todos,

Teu poema está em tudo,

Teu poema está em mim!

 

ERNÂNI GETIRANA (ernanigetirana12@gmailcom) é professor, poeta e escritor. Membro das academias ALVAL e APLA (da qual é o atual presidente), pertence à UBE, IHGPI e aos coletivos literários Amigos da Literatura e Coletivo Literário de São Benedito, CE, é membro fundador do Coletivo P2. Autor de diversos livros, dentre eles “Lendas da Cidade de Pedro II” e (Livraria Entrelivros e Tenda da Cruviana). Preparando o livro didático “História, Geografia e Literatura de Pedro II, Piauí” Escreve às quintas-feiras para o Portal News Piauí.

 

 

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