A cidade de Paris aos poucos tem mudado de cara para receber o maior evento esportivo do mundo. A cem dias das Olimpíadas, famosos pontos turísticos como Torre Eiffel, praça La Concorde e Esplanada dos Inválidos estão cercados de grades e caminhões de obra para a construção de arenas temporárias, decepcionando os viajantes de passagem na capital francesa. Para os parisienses, a reclamação principal é o deslocamento durante os dias de competição com a superlotação no metrô, enquanto a Polícia tem como maior preocupação garantir a segurança da cerimônia de abertura, prevista para 300 mil pessoas.
Anúncios da Prefeitura estão espalhados por diversas estações das 14 linhas de metrô existentes na cidade, incentivando os parisienses a evitarem o transporte público durante as Olimpíadas ou mesmo trabalharem de casa. Habitualmente os franceses já reclamam do serviço por causa de problemas como engarrafamentos, atrasos e greves, que causam transtorno na vida cotidiana. Com a chegada dos Jogos, eles não querem nem ficar na cidade.
– Acho que a questão mais preocupante é o transporte e, portanto, a mobilidade durante os Jogos. Isso também é o que me incomoda, pois já estamos passando por dificuldades durante todo o ano, então não consigo imaginar como será. Na verdade, vou sair de Paris durante as Olimpíadas – contou Arnaud Neyreneuf, engenheiro de som de 38 anos que pretende assistir às competições de atletismo, futebol e vôlei de praia pela televisão.
Tensão no transporte
Para tentar evitar maiores frustrações, a presidente do conselho administrativo da Ile de France, Valérie Pécresse, anunciou no final de março o lançamento de um aplicativo dedicado a viagens durante os Jogos. O “Transport public Paris 2024” será lançado em maio e mostrará, em tempo real, o acesso às melhores rotas. Ela mesma prevê que haverá alguns gargalos e incentiva que as pessoas saiam do metrô uma estação antes da arena esportiva para a qual estiver indo: “Não devemos ter medo de caminhar um pouco, é bom para nossa saúde”, disse numa entrevista à BMFTV.
Outra insatisfação envolve os preços das passagens previstos para os dias dos Jogos. O valor unitário será fixado em 4 euros (equivalente a R$22,00), praticamente o dobro do valor atual de 2,10 euros. O objetivo é fazer com que os visitantes paguem mais para financiar o custo adicional no aumento do número de trens durante o período.
Uma pesquisa encomendada pelo jornal francês “La Tribune” aponta um declínio no interesse dos franceses pelos Jogos. A empresa Ipsos fez o levantamento com mil pessoas no mês de abril e, embora a maioria dos franceses (53%) diga que está interessada em assistir às competições, a proporção caiu 8 pontos em comparação com pesquisa feita em outubro de 2023.
— Não sou uma parisiense que está ansiosa pelas Olimpíadas. Conheço o custo financeiro envolvido, os atrasos, os estudantes que serão expulsos de suas acomodações para abrigar voluntários, os trabalhadores sem documentos, etc. O transporte vai ser um inferno, ao ponto dos parisienses estarem sendo incentivados a deixar Paris durante esse período. Portanto, esse evento não é realmente para nós. Espero que tudo corra bem, mas acho que haverá muitos problemas e isso é uma pena, mas não é surpreendente – respondeu com sinceridade a empreendedora Justine Combeaud, dona de um café no distrito 12 de Paris. A residente admitiu que não pretende assistir às Olimpíadas por achar os ingressos caros e um evento “demasiado comercial”.
O presidente do comitê organizador Paris 2024 tenta trazer otimismo à população sempre que pode em suas declarações. Tricampeão olímpico na canoagem, Tony Estanguet fez um convite aos franceses em entrevista ao jornal Le Parisien publicada nesta terça.
– Já estive nos Jogos uma dúzia de vezes, como atleta, espectador e membro do COI. Vi a magia que os Jogos trazem para as cidades onde são realizados. É um evento excepcional. Peço a todos que sejam curiosos, que tentem viver esse momento. Acho que é uma pena que as pessoas não queiram vivenciar o evento, embora eu respeite isso. Estou trabalhando duro para que as pessoas fiquem e aproveitem. Também não quero dar a impressão de que tudo será perfeito. Não é possível organizar os Jogos Olímpicos em uma cidade como Paris sem nenhum impacto, e é por isso que estamos explicando tudo o que estamos fazendo, o cronograma de montagem, o impacto no trânsito, para que vocês possam se organizar.
De acordo com relatório divulgado pelo comitê, o prazo na entrega das arenas está dentro do previsto e nove milhões de ingressos foram vendidos. Nesta quarta, 250 mil ingressos serão postos à venda.
Segurança na cerimônia de abertura
O maior esquema de segurança previsto na França é para que a cerimônia de abertura dos Jogos, às margens do rio Sena, seja um sucesso: cerca de 45 mil agentes de segurança do Estado estarão nas ruas, além de 2 mil agentes particulares que vão reforçar os perímetros estabelecidos pela Prefeitura de Polícia. A partir de maio, um aplicativo será lançado para que os moradores, comerciantes e visitantes tenham autorização para circular nas zonas definidas como “sensíveis” e precisarão usar um QR code para acessar determinadas regiões.
A cerimônia de abertura de Paris 2024 está marcada para o dia 26 de julho. Durante entrevista para o canal de televisão BMFTV, no início da semana, o presidente Emanuel Macron ainda afirmou que o governo francês pretende “mostrar a face mais bonita da França” e que deseja “que a cerimônia seja o mais bem sucedida possível”.
Na mesma entrevista, Macron admitiu planos B e C em caso de ameaça terrorista e explicou que a cerimônia pode ser transferida para o Stade de France se for preciso. A segurança na cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos é o maior desafio para o governo. O desfile fluvial de mais de 6 km no rio Sena reunirá cerca de 326 mil espectadores no cais. Contando com os edifícios e zonas de torcedores, serão mais de 500 mil. Segundo informações do Le Parisien, no Sena, haverão aproximadamente 90 barcos das delegações integrando a frota principal e cerca de outros 90 para transmissão, organizações de TV, segurança e assistência. Além da segurança aérea e no solo, haverão mais de 100 mergulhadores para verificar os barcos. Nos arredores do local, 200 equipes com cães farejadores farão a patrulha em busca de explosivos.
Anteriormente, Macron já havia dito que não descarta a possibilidade de a Rússia tentar atacar a França durante os Jogos, e há duas semanas, o presidente pediu um cessar-fogo ao país durante o evento esportivo. Macron também não excluiu a chance de as tropas europeias irem à Ucrânia, embora tenha esclarecido que a França não tem intenção de incitar o confronto.
Clima na cidade
Se por um lado as ruas têm sido tomadas por obras, outros cantos de Paris já respiram as Olimpíadas. O relógio da contagem regressiva está aos pés da Torre Eiffel e atrai muitos turistas que querem o registro da marca “faltam 100 dias para o início dos Jogos”.
Com a aproximação dos Jogos, aos poucos edifícios na cidade recebem a linguagem visual de Paris 2024, uma mistura de cores vivas e quentes como azul, vermelho, verde e roxo, que ilustram a riqueza e a diversidade da França. Para quem busca um local para uma bela foto, a Prefeitura de Paris estampa os anéis olímpicos e as logos das Olimpíadas e Paralimpíadas.
Enquanto os atletas não fazem seu espetáculo, a cidade artística recebe a “olimpíada cultural” com diversas exposições com a temática olímpica, acervos incríveis e recortes diferentes que vão do design à moda no esporte. Até mesmo na estação de metrô Gare du Nord é possível acompanhar uma pequena exposição enquanto se caminha entre os corredores.
Em parceria com o Comitê Olímpico Internacional, o país receberá quase 2.500 projetos em 700 cidades francesas, com expectativa de 16 milhões de visitantes esperados para este verão. O museu da moeda de Paris traz, por exemplo, a história das medalhas olímpicas de ouro, prata e bronze. A partir de junho, galerias na cidade vão receber uma exposição dedicada aos posters olímpicos.