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Regada a sexo, drogas e boleros, vida de Nelson Ned rende livro que repõe o cantor na história da música do Brasil

Popular nos EUA e na América Latina nos anos 1970 e 1980, astro mineiro é tema de biografia que narra o céu e o inferno do artista morto em 2014.

Resenha de livro

Título: Tudo passará – A vida de Nelson Ned – O pequeno gigante da canção

Autor: André Barcinski

Editora: Companhia das Letras

Cotação: ★ ★ ★ ★ ★

A vida de Nelson Ned daria um filme, tanto documentário quanto longa de ficção com a história desse cantor e compositor mineiro que triunfou nos Estados Unidos e em vários países da América Latina – sobretudo na Argentina, na Colômbia e no México – enquanto era menosprezado pelas elites culturais do Brasil.

Por ora, a trajetória de Nelson Ned D’Ávila Pinto (2 de março de 1947 – 5 de janeiro de 2014) rendeu excelente biografia desse astro latino que morreu pobre e esquecido, aos 66 anos, contando somente com o carinho das irmãs e dos filhos. Sem firulas, o jornalista e roteirista André Barcinski narra a saga improvável de vida regada a sexo, drogas e boleros.

Portador de nanismo, Nelson Ned nunca passou de 1,12 metro e se agigantou pela voz potente que tocava fundo os corações de ditadores sanguinários, de gente humilde e de personalidades do porte de Gabriel García Márquez (1927 – 2014), de quem o cantor se tornou amigo.

Sem julgamento ou moralismo, Barcinski conta com objetividade uma história que parecia arrancada da enciclopédia da música brasileira – o que tem gerado onda de entusiasmo com o livro Tudo passará – A vida de Nelson Ned – O pequeno gigante da canção, lançado neste mês de novembro de 2023 pela editora Companhia das Letras.

 

É que até mesmo notórios conhecedores da música brasileira desconheciam o alcance da voz de Nelson Ned entre 1970 e 1985, fase áurea da carreira internacional do artista nascido em Ubá (MG) em família de boa condição financeira.

Agora, com a biografia de Barcinski, como continuar ignorando que Nelson Ned foi recebido em abril de 1971 no aeroporto de Luanda, em Angola, por milhares de fãs? Que fez dois shows em único dia, 16 de junho de 1974, no palco mais cobiçado de Nova York (EUA), o Carnegie Hall, ambos com lotação esgotada? Que lotava estádios no México? Que cantou para 80 mil pessoas em Bogotá?

Sim, nos anos 1970 e 1980, Nelson Ned conheceu o sucesso em proporção mundial alcançada por nenhum outro cantor do Brasil. Mas o astro conheceu também o avesso da fama a partir de 1975.

Atormentado por dores na coluna e no quadril, Ned embarcou nas drogas lícitas receitadas pelos médicos – analgésicos como a morfina e anti-inflamatórios tão ou mais potentes do que a voz do cantor – e também nas substâncias ilícitas que buscava na noite.

Bem relacionado, Nelson Ned costumava cheirar a cocaína pura vinda dos magnatas do tráfico. Também bebia álcool em quantidades industriais – o que o tornava pessoa de temperamento explosivo – e buscava sexo alucinadamente fora do casamento.

 

André Barcinski evidencia a arrogância e a paradoxal generosidade do artista com a mesma isenção com que discorre sobre o cancioneiro de Ned, avaliando cada disco do astro sem idolatria, mas tampouco sem minimizar a força de obra vista com preconceito pelos críticos.

Ned tinha autoestima, mas se achava feio e sofria pela consciência de que conquistava mulheres mais pelo poder da fama e do dinheiro. Esse sofrimento está impresso nas letras das músicas gravadas pelo cantor com sentimento que encontrou eco nas almas de milhões de ouvintes.

Em português ou espanhol, idioma em que passa a gravar com regularidade a partir de 1970 sem jamais esquecer o público do Brasil, Nelson Ned cantou o romantismo sob o prisma da rejeição, o que talvez explique o sucesso extraordinário do cantor fora das fronteiras do país.

Decadente a partir da década de 1990, em parte por ter priorizado os discos religiosos após a conversão definitiva do cantor, Nelson Ned foi sumindo da mídia na mesma medida em que a mídia parecia ignorar a existência do astro.

Tudo passou, referendando o título do bolero de 1969 que deu nome ao álbum Tudo passará, título que marcou o início da escalada do cantor. Só que Nelson Ned faz parte da história da música brasileira com página que o livro de André Barcinski repõe no devido lugar.

Capa do livro ‘Tudo passará – A vida de Nelson Ned – O pequeno gigante da canção’ — Foto: Acervo pessoal de Monalisa Ned

 

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