Nas últimas semanas o número de memes relativos às altas temperaturas ambientais cresceram exponencialmente na internet. Com cidades piauienses atingindo os 42º centígrados à tarde, Teresina é um prato cheio para esse tipo de piadismo nesses meses de b-r-o-bró (setembro, outubro, novembro e dezembro).
A palavra therehell (There, de “Teresina” e “Hell” de “inferno” em inglês) é uma das palavras-vedete nos memes interneteiros. Imagens de ovos sendo fritados no asfalto ou de urubus se abanando com uma das asas enquanto voam viralizaram, como se diz. Vamos deixar a capital de lado e nos voltar para um outro lugar qualquer.
Vamos para a Índia. Imaginem uma professorinha nos cafundós do Judas, à uma e meia da tarde, numa sala 5,5X5,5 m, 2,5 m de altura, telhado com buracos do tamanho de um rato dos grandes, tentando ensinar Matemática e Hindi para 40 meninos e meninas na faixa etária dos 10 anos que se acotovelam em cadeiras e carteiras descascadas, caindo aos pedaços, e ainda por cima sem ao menos um ventilador que seja.
A cada vez que a coitadinha da professora ensaia abrir a boca engole o pó trazido pela golfada de ar quente despregado da estradinha de chão batido que serpentei lá fora da escolita acanhada perdida no meio da caatinga acinzentada e vítrea da Índia.
Pode-se, contudo, perfeitamente imaginar que milhões de vírus oriundos do catarro que desce às bicas dos narizes inflamados de metade da turma pulam magistralmente em cima das partículas de areia trazidas pelos pés de vento e qual bons vaqueiros galopam tenazmente os corpúsculos até adentrarem, vitoriosos, narinas adentro da professorinha exatamente no instante em que a bichinha está dizendo a plenos pulmões “ध्यान देना” (*).”.
Ora, o engenheiro indiano não percebeu, ao construir a escolinha, que exatamente o vento soprava do lado das janelitas, três delas, carregadinho de poeira cor de cobre. Ao menos poderia ter sido humilde e perguntado aos moradores do lugar de onde o vento vinha e para onde o sol se deitava. Mas perguntas como essas não se fazem onde o Diabo perdeu as botas.
– Aqui até o Diabo anda descalço, moço, diz um velho indiano.
O material de que a salita de aula é feita é o de pior qualidade. A tinta não durou um semestre nas paredes. O emadeiramento também não fica na frente. Há mais cupim do que madeira. E nas madrugadas de vento forte as telhas do capote pegam parelha com as aves que passam por ali.
Apesar de tudo, porém, a professorinha, agora já no finzinho da aula balbucia em hindi:
– Dois mais dois são quatro …
Nesse mesmo momento a nave indiana Chandrayaan 3 pousa na Lua. Nem tudo está perdido.
(*)ध्यान देना (prestem atenção)
ERNÂNI GETIRANA (@ernanigetirana) é professor, poeta e escritor. Pertencia à APLA, ALVAL, IHGPI e UBE-PI. É formado (e pós graduado) em Letras pela UFPI, UnB, UFRJ. É autor dentre outros livros de “Debaixo da Figueira do Meu Avô”. Escreve às quintas-feiras para essa coluna.