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Abrir novos cursos de medicina só onde faltam médicos ou em qualquer lugar? MEC tem 3 dias para decidir; entenda

Em 5 de abril, terminará o período de vigência de uma portaria criada por Michel Temer para proibir a criação de novas faculdades de medicina no país. Com o fim do 'congelamento', governo Lula tem o desafio de pensar em regras que garantam a qualidade das graduações e que reparem a distribuição desigual de médicos no Brasil.

Em 5 de abril, deixará de valer uma portaria criada pelo ex-presidente Michel Temer, em 2018, que proíbe a abertura de novas vagas e cursos de medicina no Brasil. À época, foi uma tentativa de controlar a qualidade da formação de profissionais de saúde, depois de um “boom” no surgimento de faculdades privadas.

A medida tinha duração de cinco anos. Agora, caberá ao Ministério da Educação (MEC) do governo Lula elaborar as próximas normas.

  • De um lado, há entidades que defendem novas graduações apenas em regiões com carência de médicos no Sistema Único de Saúde (SUS).
  • Do outro, existem grupos a favor de uma liberação geral, sem restrições geográficas (veja os argumentos mais abaixo).

 

“Precisamos de regras. Se a moratória [suspensão] acabar e ‘porta estiver aberta’, qualquer um vai chegar e entrar no sistema do MEC com requerimento para abrir curso”, diz Júlio Braga, coordenador da Comissão de Ensino Médico do Conselho Federal de Medicina (CFM).

Procurada pelo g1, a pasta não havia se pronunciado até a última atualização desta reportagem.

Com mensalidades altas (que chegam a R$ 12 mil) e uma importância estratégica no setor de educação, as graduações de medicina viraram uma “mina de ouro” para mantenedoras de ensino: no mercado, estima-se que uma única vaga valha R$ 2 milhões.

Desde a moratória de Temer, 204 processos chegaram ao MEC, buscando a abertura ou ampliação de cursos mesmo com a proibição. Alguns vingaram – segundo a Associação Nacional das Universidades Particulares (Anup), 9 liminares obtidas por instituições privadas somaram 1.100 novas vagas desde 2018.

Nesta reportagem, você verá:

  • os problemas que precisam ser solucionados na reabertura (ou não) dos cursos de medicina;
  • as normas que as gestões de Dilma Rousseff, Michel Temer, Jair Bolsonaro e Lula criaram;
  • os argumentos de quem defende abrir vagas apenas em locais que necessitam de médicos;
  • as ideias dos que preferem liberar a criação de cursos para qualquer município.
De 2002 a 2018, número de cursos de medicina no Brasil triplicou — Foto: Arte/g1

🩺 Os desafios: garantir qualidade dos cursos e acabar com distribuição desigual de médicos

A alternativa a ser adotada pelo governo Lula, com o fim da medida de Temer, precisa levar em conta dois grandes desafios do Brasil nesse segmento:

  • garantir a qualidade de ensino aos estudantes de medicina;
  • e tornar a distribuição de profissionais mais igualitária entre as regiões (veja infográfico abaixo).

 

Na retomada do programa Mais Médicos, em 20 de março, o Ministério da Saúde já adiantou que oferecerá incentivos aos profissionais que atuarem em áreas mais carentes.

Houve aumento no número de médicos, mas de forma desigual pelo país — Foto: Arte/g1

🩺 Mudanças de regras: de Dilma a Bolsonaro

Antes de 2014, para abrir um curso de medicina, era necessário entrar com um protocolo no site do e-MEC e cumprir os requisitos da pasta.

Desde o governo de Dilma Rousseff, os presidentes vêm modificando as regras para a abertura de novas graduações. Veja só a linha do tempo:

  • Dilma Rousseff e o programa Mais Médicos (2014)

👩‍⚕️ A intenção era levar as graduações de medicina para locais com carências de profissionais de saúde no SUS, em um processo de “interiorização”.

👩‍⚕️ Por meio de chamamento público, o governo anunciava em quais cidades deveriam ser abertas novas vagas (levando em conta que elas precisariam já ter certa infraestrutura para receber estagiários e residentes, por exemplo).

👩‍⚕️ As mantenedoras de ensino que abrissem faculdades nessas regiões teriam condições mais objetivas na aprovação do processo, mas precisariam direcionar parte do seu faturamento para melhorias na rede pública de saúde do município. Também deveriam pagar bolsas de residência médica para quem fosse atuar em programas de medicina da família, por exemplo.

  • Michel Temer e a proibição de novos cursos (2018)

 

👩‍⚕️ Com a portaria 328, Temer proibiu, por 5 anos, a criação de novos cursos de medicina e a ampliação de vagas, inclusive no Mais Médicos.

  • Bolsonaro e as novas regras no último dia de governo (2022)

 

👩‍⚕️ Em 31 de dezembro, o então presidente Jair Bolsonaro revogou a moratória de Temer e liberou a criação de vagas e cursos, a partir de regras parecidas com a do programa Mais Médicos.

  • Lula e o cancelamento da medida de Bolsonaro, três dias depois

 

👩‍⚕️ Na primeira semana de governo, o novo ministro da Educação, Camilo Santana, desfez a medida de Bolsonaro, com o argumento de que precisaria de mais tempo para “uma avaliação criteriosa e segura” das novas regras.

👩‍⚕️ Voltou a valer, desde então, a “trava” de Temer.

Gráfico mostra quantos cursos de medicina foram criados em cada gestão — Foto: Arte/g1

🩺 Os argumentos de quem defende um controle na abertura de novas vagas

  • “É preciso associar a abertura de cursos ao SUS.”

Nos cursos de medicina, os alunos precisam fazer estágio no SUS para aprenderem, na prática, como lidar com os pacientes. Por isso, na opinião de entidades ouvidas pelo g1, não adianta abrir vagas onde não há estrutura para receber os estagiários.

“A gente deve estar onde o SUS precisa de nós. O curso de medicina é diferente dos outros, porque usa a estrutura pública. Vira parceiro do governo, que deve decidir onde as escolas vão ser abertas”, afirma Elizabeth Guedes, presidente da Associação Nacional das Universidades Particulares (Anup).

“É necessário tratar os cursos de medicina como uma política pública. Abrir vaga onde as empresas querem vira bagunça. O ‘Mais Médicos’ coloca uma ordem na casa e faz com que o setor permaneça saudável e atrativo para alunos, que terão mais qualidade nas aulas, e para professores e investidores.”

  • “No Brasil, a prioridade deve ser consertar a desigualdade regional.”

Haveria como liberar a criação de cursos em todos os lugares e conciliar isso com o programa Mais Médicos? Segundo Elizabeth, seria uma postura “cínica”.

“O país tem pouco atendimento para a população nas periferias e no interior. Não precisamos de médicos na Avenida Paulista.”

Ela diz que, se uma mantenedora de ensino tiver a opção de abrir uma faculdade no interior do Amazonas ou em São Paulo, vai acabar escolhendo a segunda alternativa. “Se liberarmos tudo, qual vai ser a atratividade para abrirem cursos, ampliarem leitos e levarem professores para lugares distantes dos centros? Vão abrir em capital, onde é mais fácil.”

Mapa mostra a distribuição desigual de cursos de medicina pelo país — Foto: Arte/g1
  • “Com um boom de abertura de cursos, falta controle de qualidade das aulas.”

 

Segundo Júlio Braga, faltam mecanismos eficientes de controle de qualidade dos cursos. “Não há critérios para avaliar os campos de estágio, por exemplo. Quatro faculdades usam o mesmo hospital. Resultado: ficam dez alunos, em uma salinha com dois computadores só, prescrevendo [remédios] para quatro pacientes”, diz.

“O estudante vai se formar com carência em sua formação. É urgente que o MEC crie regras para abrir, credenciar e renovar os credenciamentos dos cursos. O ideal seria haver um avaliador externo, como defende a Organização Mundial da Saúde.”

🩺 Os argumentos de quem defende maior liberação para a abertura de cursos

 

  • “Proibir a criação de cursos é uma medida extrema para garantir reserva de mercado.”

 

A Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES) afirma que a decisão de congelar a abertura de cursos é “extrema” e não resolve o problema da qualidade de ensino.

“Ela impede que bons projetos, de instituições de excelência, sejam oferecidos. Além disso, o MEC sempre teve e continua tendo condições de avaliar os cursos já existentes”, diz Celso Niskier, diretor-presidente da entidade.

“Quem cria dificuldades para a criação de novos cursos está defendendo, mesmo que indiretamente, a reserva de mercado para os já existentes, e somos contra isso.”

  • “Pode haver chamamento público pelo SUS e processos tradicionais ao mesmo tempo.”

 

A ABMES entende que retomar o processo tradicional de abertura de cursos não impede que o programa Mais Médicos também seja aplicado para estimular a interiorização das faculdades.

“Defendemos que o critério, inclusive, seja o mesmo quanto à qualidade dos cursos analisados. Ambos devem contribuir para a melhoria do SUS”, diz Niskier.

  • “A judicialização dos processos de abertura de cursos diminuiria.”

 

Como dito no início da reportagem, desde a portaria de 2018, 204 processos chegaram ao MEC, buscando a abertura ou ampliação de vagas em medicina. Quem defende o fim desse controle argumenta que judicializar o processo só colabora para um atraso na formação de novos médicos.

“A Justiça é o último recurso das mantenedoras que defendem a livre iniciativa, e que não conseguem ter seus projetos analisados pelo MEC. Com o protocolo reaberto, esse problema acabará”, diz o representante da ABMES.

 

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