12 de maio próximo passado, uma quarta-feira, foi um dia histórico para a humanidade. A equipe do ESO – Observatório Europeu do Sul, com mais de 300 cientistas, dividida em 6 conferências simultâneas espalhadas pelo planeta, apresentou a primeira radiofotografia do buraco negro que habita o centro de nossa galáxia, a Via Láctea, que possui 100 mil anos-luz de comprimento e 30 mil de ‘altura’. Batizado de Sagittarius A* (lê-se ‘Sagitárius A-estrela’), o buraco negro possui 4,14 milhões de massas solares e corresponde a uma esfera com o diâmetro do tamanho da órbita do planeta Mercúrio. Se viajássemos em um foguete espacial à velocidade de 300 mil quilômetros por segundo (velocidade da luz no vácuo), levaríamos 27 mil anos para chegarmos a esse buraco negro. Um ano-luz corresponde a 9,5 trilhões de quilômetros.
Mas o que é um buraco negro? É uma singularidade da natureza surgida quando uma grande massa hiperconcentrada em um espaço proporcionalmente restrito eleva a gravidade a um patamar praticamente infinito, de forma que nem a luz escapa lá de dentro. É daí que vem a denominação ‘buraco negro’ (black hole em inglês). Dentro do buraco negro as leis da física como as conhecemos deixam de funcionar e o tempo para. Quem primeiro calculou a possibilidade teórica da existência de buracos negros foi Karl Schwarzschild (1873-1916) a partir de possíveis soluções da Teoria da Relatividade de Albert Einstein (1879-1955).
Foi o físico Karl Jansky (1905-1950) quem primeiro detectou emissões de raio X muito energéticos vindas do centro da Via Láctea. A descoberta efetiva desse buraco negro ocorreu em 1974 pelos astrônomos Bruce Balick e Robert Brown (1921-2003). Na atualidade há milhares de físicos e astrônomos dedicando-se exclusivamente ao estudo de buracos negros. Ganhadores do Nobel de física, inclusive, como Roger Penrose (1931) e Stephen Hawking (1942 – 2018).
Façamos um parênteses. A ciência é uma prática eminentemente humana, coletiva, histórica e cumulativa. Apenas nós, Homo Sapiens, fazemos Ciência (e Arte). É resultante de investimentos governamentais massivos em educação (básica e superior), em centros de pesquisa, laboratórios de ciência básica e de ponta. A formação de um(a) cientista requer anos de dedicação e esforço tenazes. Fim do parênteses.
A imprensa, às vezes exagerada, costuma chamar os buracos negros de ‘monstros’ ou ‘feras raivosas’. Diz a lenda que onde há feras há belas. Pois a bela nesse caso é a matemática e física brasileira de Minas Gerais, Lia Medeiros, 31 anos, que trabalha no IAS (Institute for Advanced Study) na Universidade de Princeton, em New Jersey, nos Estados Unidos. É o mesmo instituto no qual Albert Einstein trabalhou por algumas décadas até sua morte, em 1955. A pós-doutora Lia lidera uma equipe de matemáticos encarregados de fazerem os cálculos dos dados colhidos desde 2017 pelo EHT (Telescópio do Horizonte de Eventos) sobre Sagittarius A*. Se esses dados e cálculos fossem impressos em folhas de papel A4 e as folhas fossem empilhadas uma sobre a outra, formariam uma coluna de papel que se estenderia da Terra à Lua.
Aliás, hoje, 19/05 é o ‘Dia do Físico’, em homenagem ao ‘ano milagroso’ de 1905, quando Einstein, aos 26 anos, escreveu três artigos que revolucionaram para sempre a maneira de olharmos para o universo. Ao ser ‘fotografado’, Sagittarios A* começa a ser domesticado por Einstein e por Lia.
Ernâni Getirana é professor, poeta e escritor. É autor, dentre outros, do livro “Debaixo da Figueira do Meu Avô’ e escreve às quintas-feiras para esta coluna.