A casinha fica na avenida principal da cidade. Ali Tia Doca é a rainha indo e vindo. Nem mesmo o marido é besta de se meter com ela. Ela é a rainha, mas uma rainha que mete a mão na massa. Se for preciso varre, lava, passa, cozinha e faz tudo isso com esmero e arte. Sem reclamações.
De qualquer forma, nesse mês de dezembro a ‘Toca da Tia Doca’ (que é como os amigos chamam sua casa) está um brinco. Toda pintadinha da porta da rua à porta do quintal. Paredes, portas, janelas. As tintas foram compradas na Casa das Tintas em Teresina pelo seu compadre Mariano. Tudo sob encomenda. Tudo pago no monte. Que é como Tia Doca gosta de fazer as coisas.
Uma das coisas mais interessantes da Toca da Tia Doca é a calçada. Larga, espaçosa com duas enormes figueiras cujas copas passam em muito da cumeeira da casa.
Pela calçada dela passa muita gente para cima e para baixo. E se muita gente passa pela calçada à frente da casa, também passa gente pela calçada lateral, pois a casa fica em uma esquina. Mas com um diferencial. A rua lateral vai dar para as veredas que levam o passante tanto ao olho d’água do Pirapora quanto ao do Bananeira.
A calçada defronte da casa de Tia Doca, além de larga é baixa, quase da altura do plano da rua. Já a lateral, não. Já começa altinha e ao final tem para mais de um metro de altura.
A avenida é toda caçalmentada. A ruazinha lateral, não. É toda esburacada, cheia de locas, pedras pontudas, pedras caraquentas, algumas lisas. É por isso que o marido de tia Doca tinha a mania de dizer que quem passava na calçada da avenida era gente desocupada. Os trabalhadores mesmo passavam era na rua do lado.
Isso quando chovia, a ruazinha virava era um rio. Por isso a calçada da casa desse lado era muito alta. Na verdade as calçadas, pois o dono da outra casa também construíra sua calçada reforçada e alta tanto quanto a de tia Doca.
Naquele ano, em especial, o inverno parecia que ia ser rigoroso, pois mal tinha entrado outubro e o céu começava a ficar rajado. O céu escurecia de repente e tome chuva e isso, claro, alegrava o povo todo.
– Escureceu, é pau d’água agora pra tudo o que é lado, compadre Mariano, ah, ah, ah. Isso era o marido de Tia Doca apontando para os nevoeiros à tardinha e a cidade já estava hirta de frio. E seu Mariano caiu na gargalhada, acompanhando o companheiro e bebericando o suco de groselha que o outro lhe servira ali mesmo na calçada da quitanda, sentados em tamboretes e admirando a paisagem.
-Isso, compadre, isso mesmo: pau d’água pra valer, ah, ah, ah !!!
E os dois se danaram a rir de novo, ali em frente da quitanda do marido de Tia Doca e nem ligavam para os passantes que se admiravam do clima festivo que cercava os dois homens.
Enquanto eles se deliciavam rindo feito dois coiotes com aquele céu cinza por sobre a copa verde escurecida do pé de tamboril logo ali à frente, na feira da cidade, mais para baixo, a apenas um quarteirão, a Toca da Tia Doca naquele dia estava especialmente bela. Ora, era uma sexta-feira e pela manhã tinha sido lavada, limpa e arrumada tudo sob a batuta de Tia Doca.
Mas independentemente de estar toda lavadinha, ‘um brinco’, como Tia Doca dizia, sua casa era toda ela uma joia.
Ernâni Getirana