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Os últimos dias de Tancredo

O presidente morria há 40 anos. Novas e assombrosas revelações em torno da morte do estadista brasileiro.

 

Ele não era um líder de massas que coubesse em um desses modelos que se tem visto ultimamente. Não era.

Em sua época, porém, ganharia a eleição de presidente de qualquer candidato, se ela tivesse sido decidida no voto popular.

Como o jogo foi outro, ainda através do voto indireto, ele se submeteu às regras postas – na verdade, impostas – e venceu no Colégio Eleitoral.

Tancredo de Almeida Neves, o autor de tal façanha, entrou para a história como o último estadista do século 20.

Ele uniu o país em um momento excepcionalmente dramático da vida republicana, marcado pelo fim do ciclo de 21 anos dos militares no poder.

Foi seu último ato político de uma carreira pública, iniciada em 1951, com sua primeira eleição para a Câmara Federal.

A partir de junho de 1953, foi ministro da Justiça de Getúlio Vargas até o suicídio do presidente.

Ele ainda viu o presidente em suas últimas agonias, após o tiro que disparou no peito, no fatídico 24 de agosto de 1954.

Primeiro-ministro
Mais adiante, com o arranjo político que levou à instauração do regime parlamentarista, logo após a renúncia do presidente Jânio Quadros, em 1961, foi nomeado primeiro-ministro do Brasil. Ocupou o cargo de setembro de 1961 a julho de 1962.

Seus atos foram marcados sempre pela moderação, porém alicerçados na firmeza.

Era líder do presidente João Goulart na Câmara dos Deputados quando este foi deposto pelos militares, em 1964.

Na tumultuada sessão do Congresso Nacional que declarou vago o cargo de presidente, ele saiu do tom. Foi uma das raras vezes que fez isso. Aos berros, chamava os golpistas de canalhas. 

Durante o regime militar, foi um dos um dos principais líderes do Movimento Democrático Brasileiro (MDB) e reelegeu-se deputado federal em 1966, 1970 e 1974. A seguir, elegeu-se senador.

Em 1982, foi eleito governador de Minas e renunciou ao mandato para ser candidato a presidente da República, na eleição indireta de janeiro de 1985.

O candidato das ruas

Naquele março de 1985, dois meses após a eleição no Colégio Eleitoral, o Brasil se preparava para dar posse, enfim, ao seu primeiro presidente civil.

Isso depois de cinco generais sem voto exercendo sucessivamente a Presidência da República – Castello Branco, Costa e Silva, Garrastazu Médici, Ernesto Geisel e João Figueiredo.

Tudo bem que Tancredo não tinha o respaldo das urnas, mas tinha o das ruas.

Mesmo disputando o voto indireto dos congressistas, Tancredo fez campanha nas ruas, através de numerosos e concorridos comícios, com o slogan Muda Brasil!

Ele venceu no Colégio Eleitoral com 480 votos, contra 180 dados a Paulo Maluf (PDS).

Embora eleito pelo voto indireto, Tancredo encarnava os sentimentos de mudança que o país respirava naquele momento.

Por isso, o Brasil depositava nele a esperança de um reencontro com a democracia.

A vontade de tê-lo na Presidência era tamanha que os brasileiros fizeram vistas grossas para o seu vice, José Sarney, um recém-egresso do partido dos militares que na última hora pulou fora do barco e enfileirou-se na trincheira das oposições.

A Nova República

Com a vitória no Colégio Eleitoral, o ministério composto e vencidos todos os obstáculos para a subida da rampa do Palácio do Planalto, a festa da posse, marcada para 15 de março, era apenas uma questão de horas.

O noticiário televisivo da noite de 14 de março dava conta dos últimos preparativos para as cerimônias que iriam inaugurar um novo tempo no Brasil, que Tancredo chamou de “Nova República”.

Os brasileiros foram dormir, assim, na expectativa da grande festa cívica.

Quando o país acordou, na manhã do dia 15, chocou-se com a bombástica notícia veiculada pelo rádio e pela televisão: o presidente fora internado às pressas e submetido a uma cirurgia de urgência, em Brasília.

A notícia que dali a instantes se reproduziria e se repetiria à exaustão pelo país e pelo mundo afora dava fim a toda a euforia nacional.

Brasília mergulhava em clima de tensão e o Brasil, em um mar de incertezas.

Enganaram o presidente

Tancredo Neves, então com 75 anos, vinha sentido dores no abdômen há dias.

A princípio, procurava disfarçar o incômodo, passando levemente a mão sobre a barriga. Não queria aproximação com hospital.

Sua cisma fazia sentido. Havia perdido dois irmãos para o câncer. Assim, resistiu o quanto pôde à internação. Chegou a avisar que tomaria posse de maca.

Para convencê-lo a se internar, os médicos lhe disseram que era apenas para tomar soro com antibióticos e realizar novos exames.

A caminho do centro cirúrgico, em uma maca, apesar de já estar conformado com a operação, reclamou para a equipe médica:

– Vocês me enganaram, né?

Diagnóstico falso

Enquanto Brasília vivia uma madrugada chuvosa e tensa, sob o diagnóstico falso de diverticulite de Meckel, inventado para iludir e tranquilizar o assustado povo brasileiro, começava a agonia pessoal do presidente Tancredo Neves e um do governo”.

Esta é uma das passagens do livro que o mineiro Ronaldo Costa Couto, escolhido por Tancredo como seu ministro do Gabinete Civil, escreveu em 1995 um livro sobre a trajetória do ex-presidente.

Intitulado Tancredo Vivo – Casos e Acasos, o livro publicado dez anos após a morte do presidente eleito relata:

O médico Francisco Pinheiro da Rocha corta com seu bisturi frio o ventre inchado de Tancredo. O caso era de abdômen agudo cirúrgico. Depois se verifica que era inflamação de tumor benigno. Uma cirurgia simples, na avaliação médica”.

Operação em sessão pública

Contra as normas e recomendações, a cirurgia teria sido assistida por 30 a 40 pessoas, relata o livro.

Pouquíssimas teriam que estar no centro cirúrgico, muito menos na disputada sala de cirurgia, onde o excesso de pessoas, a negligência com os procedimentos obrigatórios de prevenção e a situação específica do hospital multiplicaram os riscos de infecção”, critica Ronaldo Costa Couto.

Ele prossegue: “Eram presenças por interesse político ou de outras naturezas. Médicos ou não, todos os que ali estavam desnecessariamente aumentaram o risco de contaminação do ambiente cirúrgico e do indefeso paciente”.

O autor questiona: “Mesmo sem má-fé dos médicos ou de quem quer que seja, você admitiria ter seu vente aberto diante de dezenas de pessoas, caro leitor? A maioria delas sem qualquer intimidade, relacionamento ou mesmo conhecimento com você?

E arremata: “Pois fizeram isso com o presidente da República naquela noite. A cirurgia terminou às 3 horas da madrugada. A sete horas do horário da posse perante o Congresso Nacional”. (p.194 e 195).

Nova cirurgia

Sarney tomou posse, no dia 15, mas o governo ficou capengando com a ausência de Tancredo no comando.  Passavam os dias e Tancredo não dava qualquer sinal de melhora.

Ronaldo Costa Couto registrou: “Os médicos ficam preocupados com a paralisia intestinal do presidente que já se arrastava desde o dia 15. Concluíram que era “nó nas tripas” e decidiram fazer uma nova cirurgia, dia 20. Uma laparotomia branca. Não havia um único nó nas tripas do presidente. Dúvida: abriu-se a barriga dele em vão?” (p.256).

Um show macabro

Em 25 de março, retiraram Tancredo da UTI e o puseram e uma cadeira de rodas. Ele foi conduzido até uma sala previamente preparada.

Ali, vestido de pijama e robe de chambre, uma alegre echarpe no pescoço, de meias e calçando chinelos fechados, o ventre perceptivelmente inchado, posou para fotografias com a equipe médica. Nelas, todos riam, aparentando descontração e confiança. Mais exposição e sacrifício do doente. Algo inteiramente dispensável. O país sofria com Tancredo, mas estava em paz, sem nenhum sinal de instabilidade”, relata. (p.258).

Horas depois, coincidência ou não, Tancredo sofria forte hemorragia interna. Na manhã seguinte, era transferido às pressas para São Paulo, em uma maca, no avião presidencial.

A polêmica foto de Tancredo Neves, enfermo, ao lado de seus médicos – Divulgação/Gervásio Baptista

O martírio do presidente

No Instituto do Coração, o Dr. Henrique Pinotti divulgava boletim médico informando que o paciente carregava infecção hospitalar contraída em Brasília. Ele havia acompanhado o tratamento do presidente na capital e jamais falara em infecção hospitalar”, observa o autor.

Tancredo morreria nas mãos de Pinotti, na noite de 21 de abril de 1985, vítima de infecção generalizada, após passar por sete cirurgias, duas em Brasília e cinco em São Paulo.

Revelações assombrosas

Novas e assombrosas revelações sobre os últimos dias do presidente Tancredo Neves são feitas agora por outro mineiro, o Frei Betto.

Em seu novo livro de memórias intitulado Quando fui pai de meu irmão (Edições 70, 2025), lançado em Teresina no início deste mês, Frei Betto conta os bastidores dos últimos dias do presidente, no hospital, em São Paulo.

Ele começa informando que Tancredo e sua mulher, Risoleta Neves, mantinham relações amistosas com seus pais, em Minas, embora tivessem posturas políticas divergentes.

E conta também que se aproximou da família Neves através de Tancredo Augusto, o único filho homem do presidente. Foram colegas de classe no colégio, em Belo Horizonte, e tinham o hábito de se prepararem para as provas estudando juntos, ora na casa de um, ora na casa do outro.

Orações

Frei Betto narra que, após a transferência de Tancredo de Brasília para o Incor, ele sugeriu ao arcebispo de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns, que fosse até o hospital para uma visita à família Neves.

No quarto andar, o arcebispo celebrou missa pela saúde do presidente. Vários políticos participaram, entre os quais muitos que já haviam sido indicados para o ministério” (p.50).

Ao se despedirem, Dom Paulo e Frei Beto receberam o pedido de dona Risoleta para que retornassem, para manter viva a corrente de orações.

O arcebispo justificou dificuldade de agenda, mas prometeu que, em nome dele, Frei Betto retornaria.

O fim

Assim foi feito. Todos os dias o frei estava lá, no hospital, e orava com a família e amigos. Em seguida, descia para a UTI, onde renovava a benção da saúde ao doutor Tancredo.

Entubado, sem poder falar, ele me olhava com atenção e demonstrava alívio e consolo naquele momento de preces” (p.50).

Na mesma página: “A 21 de abril, eu me encontrava ao pé do leito de doutor Tancredo quando sua vida cessou e os aparelhos ligados a seu corpo paralisaram seus indicadores. Eram 22h23”.

Dom Paulo, não!

Frei Betto relata que, no quarto andar do Incor, escutou o delegado Romeu Tuma (da Polícia Federal) comentar com um coronel do SNI (Serviço Nacional de Informação), que coordenava a segurança em torno dos Neves, a importância de se evitar a presença de Dom Paulo no cortejo fúnebre.

Conta também que foi ao orelhão da esquina, às 6h da manhã, e ligou para a residência do arcebispo. Frisou a importância política, e não apenas pastoral, de sua presença à frente do cortejo – o que de fato ocorreu.

Veto do SNI

Ao retornar ao quarto andar do Incor, Frei Betto recebeu o aviso do coronel do SNI de que não haveria lugar para ele na aeronave da FAB que transportaria o esquife e a família Neves a Brasília.

Quando soube do veto, dona Risoleta determinou o imediato credenciamento do frei e ele seguiu junto.

Em Brasília, o arcebispo Dom José Freire Falcão não autorizou a pregação de Frei Betto, desejada por dona Risoleta.

Em Belo Horizonte, o arcebispo Dom João Rezende Costa respondeu que a liturgia ficaria muito extensa caso fosse aberta a palavra para o frei.

Ainda assim, ele falou, de forma inusitada: 30 mil pessoas se acotovelavam, consternadas, em torno do Palácio da Liberdade, onde o esquife estava exposto.

Tragédia

De repente, a pressão sobre os portões fez com que tombassem. Sete pessoas foram esmagadas, das quais quatro morreram na hora e outras três no hospital. Houve mais de 200 feridos.

Para conter a multidão e evitar uma catástrofe ainda maior, o frei vestiu o hábito dominicano, foi para a sacada do palácio acompanhado da família Neves e de autoridades e conclamou todos a erguerem as mãos para rezar um Pai Nosso pelo doutor Tancredo.

Os ânimos se acalmaram e os feridos puderam ser socorridos.

Novo veto

No começo da noite, o coronel do SNI advertiu Frei Betto de que o esquife seria levado na manhã seguinte a São João del Rei por um helicóptero da FAB. E que não haveria vaga para ele, Frei Betto.

O frei conta que respondeu não ter o menor interesse em prosseguir no cortejo e que foi reencontrar sua família.

Às 6h da manhã do dia seguinte, no entanto, bateu à porta do Palácio da Liberdade e dona Risoleta o levou para São João del Rei no helicóptero da FAB.

Mais uma vez, ela insistia na pregação do frei na cidade que era o berço natal de Tancredo e que seria também sua última morada.

Frei Betto ficou receoso de não receber autorização do bispo local, Dom Antônio Carlos Mesquita.

Dona Risoleta conseguiu, no entanto, que o bispo lhe prometesse abrir espaço para a fala do frei antes da benção final.

Na missa na matriz, presentes o novo presidente José Sarney e quase toda a equipe ministerial.

Censura

O bispo cumpriu a palavra e, antes da benção final, passou o microfone para Frei Betto.

Dentro da matriz, havia uma única câmera de TV – a da Empresa Brasileira de Notícias (EBN) – do governo federal, transmitindo a celebração.

De repente, o foco se deslocou do interior da igreja para o pôr do sol em São João del Rei…

Era o momento em que Frei Betto fazia uso da palavra… censurada pelo SNI.

A ditadura tinha caído, mas, como barata, fingia-se morta e ainda se mexia.

Assim correram aqueles dias do começo da redemocratização.

Tancredo Neves, eleito presidente, ao lado da esposa Risoleta e do deputado federal Ulysses Guimarães (PMDB). Foto: Célio Azevedo/Senado Federal.

Fonte: zozimotavares.com

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