A história da Maçonaria está repleta de episódios de perseguição, especialmente nos séculos XVIII e XIX, quando a Igreja Católica, por meio da Inquisição, buscava suprimir qualquer organização considerada secreta ou herética. Entre as vítimas mais notáveis desse embate entre a Maçonaria e o catolicismo, destaca-se John Coustos, um maçom suíço naturalizado inglês, cujo julgamento e prisão em Lisboa marcaram um dos momentos mais emblemáticos dessa luta.
A Vida de John Coustos e sua Iniciação Maçônica
John Coustos nasceu em Berna, na Suíça, em 1703, e mais tarde se estabeleceu na Inglaterra, onde se naturalizou. Envolveu-se com a Maçonaria ao ingressar na Premier Grand Lodge of England, fundada em 1717 em Londres, tornando-se um membro ativo da Ordem. Como empresário, viajou por diversos países, levando consigo a experiência e os princípios maçônicos que defendia.
Na época, a Maçonaria era vista com desconfiança pelas autoridades religiosas e monárquicas, que a consideravam uma organização secreta capaz de minar o poder do clero e da nobreza. Coustos, como um maçom ativo, estava ciente das dificuldades enfrentadas pela Fraternidade, mas não imaginava que, ao se estabelecer em Lisboa, sua lealdade à Maçonaria o levaria a ser perseguido pela Inquisição.
A Atuação Maçônica em Lisboa e o Conflito com a Inquisição
Em 1743, John Coustos estava em Lisboa, Portugal, onde se envolveu com atividades maçônicas locais. Naquele período, Portugal estava sob a forte influência do catolicismo e da Inquisição, instituição que combatia qualquer movimento considerado herético. A Maçonaria, por sua ênfase na liberdade de pensamento e na fraternidade universal, era vista como uma ameaça ao domínio da Igreja.
As denúncias contra Coustos rapidamente chegaram ao Santo Ofício da Inquisição Portuguesa, que já havia iniciado investigações sobre a presença de maçons no país. Sua prisão ocorreu nesse mesmo ano, sob acusações de envolvimento com práticas proibidas e de manter reuniões secretas contrárias à fé católica.
Os inquisidores tinham um objetivo claro: extrair de Coustos confissões sobre os segredos da Maçonaria e obter informações que permitissem desmantelar a Fraternidade no país. Para isso, ele foi submetido a torturas brutais, incluindo o uso da Roda e do Potro, instrumentos de suplício que visavam arrancar confissões e delações.
O Julgamento e a Condenação de Coustos
Mesmo sob tortura, John Coustos se recusou a trair os princípios maçônicos e não revelou informações significativas sobre os rituais e propósitos da Fraternidade. Isso fez com que os Inquisidores prolongassem seu tormento, tentando forçá-lo a admitir que a Maçonaria era uma sociedade herética e conspiratória contra a Igreja e a monarquia.
Em 1744, após sucessivas sessões de interrogatório e tortura, Coustos foi condenado a quatro anos de trabalhos forçados em galés portuguesas. No entanto, sua prisão chamou a atenção da diplomacia britânica. O governo inglês intercedeu a seu favor, considerando que ele era um cidadão britânico e não poderia ser tratado dessa maneira. A pressão diplomática resultou na sua libertação e repatriação para a Inglaterra.
Após sua libertação, em 1746, Coustos publicou um relato sobre suas experiências, intitulado “The Sufferings of John Coustos for Free-Masonry” (Os Sofrimentos de John Coustos pela Maçonaria). O livro tornou-se um testemunho poderoso da brutalidade da Inquisição e da resistência maçônica à perseguição religiosa.
Consequências para a Maçonaria e o Embate com a Igreja
A prisão de John Coustos teve um impacto profundo na luta entre a Maçonaria e a Igreja Católica. Seu caso tornou-se um exemplo de como a Fraternidade era perseguida pelas autoridades religiosas da época, mas também evidenciou a resiliência dos maçons diante da opressão.
Nos anos seguintes, a Maçonaria continuou a crescer, especialmente em países onde a liberdade religiosa e de pensamento começava a ser mais valorizada. No entanto, o conflito com a Igreja persistiu, culminando em diversas bulas papais contra a Maçonaria, incluindo a bula “In Eminenti Apostolatus Specula”, emitida pelo Papa Clemente XII em 1738, e a bula “Providas Romanorum”, de Bento XIV em 1751.
Em Portugal, a perseguição à Maçonaria continuou ao longo do século XVIII, mas a ordem conseguiu sobreviver e ressurgir nos séculos seguintes, tornando-se uma presença influente na política e na sociedade portuguesa.
Conclusão
A história de John Coustos é um símbolo da resistência maçônica frente à perseguição religiosa e política. Sua prisão e tortura pela Inquisição Portuguesa evidenciam o conflito entre o pensamento iluminista da Maçonaria e a rigidez da Igreja Católica da época. Seu sofrimento não foi em vão, pois ajudou a expor os abusos da Inquisição e reforçou a necessidade de liberdade de consciência e associação, princípios que a Maçonaria continua a defender até os dias de hoje.
Fonte: O Malhete