Fernanda Gonçalves Chaves, assessora de Marielle Franco, única sobrevivente do atentado que matou a vereadora no dia 14 de março de 2018, foi a primeira a depor no julgamento dos ex-policiais militares Ronnie Lessa e Élcio Queiroz, acusados de assassinar a parlamentar e o motorista Anderson Gomes. Durante a sessão, que começou nesta quarta-feira (30), no 4º Tribunal do Júri do Rio, a jornalista chorou ao relembrar a relação de amizade que tinha com parlamentar.
Chaves começou o depoimento, feito por videochamada, narrando como foram as últimas horas de vida de Marielle. Segundo ela, a vereadora teve um dia normal de trabalho no gabinete, lugar que ficou até por volta das 18h daquele dia.
Segundo Chaves, Marielle seguiu para a Casa das Petras, onde foi participar de um evento sobre raça e gênero e permaneceu até às 21h.
A jornalista foi responsável por fechar o gabinete e chegou ao evento cerca de uma hora depois de Marielle. Ao final, as duas foram embora juntas no carro conduzido por Anderson.
“Por volta das 21h, fomos embora após o evento terminar. Marielle tinha pressa para ir embora, chegar cedo em casa e ficou pouco por ali (na Casa das Petras). Fomos para o carro do Anderson, Marielle sentou atrás, do meu lado, o que era algo incomum porque ela sempre ia na frente. Fomos em direção a Tijuca e o trajeto estava bom, sem trânsito. Conversamos sobre o dia seguinte. Ela pediu para ouvir o jogo do Flamengo na rádio e seguimos lendo os nossos celulares e conversando sobre coisas cotidianas da vida”, narrou.
O trajeto seguia bem até que houve o tiroteio.
“Ouvi uma rajada em direção do carro que estávamos e eu num reflexo me encolhi ali embaixo do Anderson (ela estava no banco de trás ao do motorista e Marielle ao lado dela). Eu percebi que o carro continuava em movimento, escutei o motorista esboçar um som de dor e vi os braços dele abaixarem do volante. Marielle não tinha nenhum movimento e depois senti o peso do corpo dela caindo sobre mim. Ela estava de cinto, mas pude perceber o braço dela caindo. Me estiquei para frente para fazer o carro parar e puxei o freio de mão. Tive uma sensação que estava no meio de um confronto, um tiroteio porque isso é uma realidade do Rio de Janeiro”, contou.
“Essas lembranças sempre foram muito difíceis e confusas porque eu não tinha certeza se tinha sido atingida ou não, e olhava para a Marielle lá dentro e tentava acreditar que ela só estava desmaiada”, lembrou.
Vida após o atentado
Após o atentado, Fernanda Gonçalves Chaves disse que foi obrigada a sair “imediatamente” de sua casa, no Rio de Janeiro.
“Minha vida mudou completamente depois deste atentado. Tive que sair do país e fui orientada a sair imediatamente da minha casa com meu marido e minha filha para aguardar o trâmite da anistia internacional. Tive que sair do Rio de Janeiro dois dias depois de tudo e fui para Brasília aguardar a aprovação da documentação. Depois disso, fui para Madri, na Espanha, onde ficamos 3 meses porque tínhamos apenas o visto de turista”, falou.
Após os meses na Europa, a jornalista e a família voltaram ao Brasil, mas nunca conseguiram retornar para a casa que tinham.
“Fui exonerada do cargo automaticamente após o assassinato. Isso mudou nossa vida completamente. Meu marido teve que fechar o escritório dele e ir comigo porque estava correndo risco de vida. Minha filha tinha 6 anos também deu ‘até logo’ aos amiguinhos da escola e nunca mais voltou.”
“Depois que voltei da Espanha, tive a ajuda de um amigo que forneceu um lugar para eu e minha família morarmos. Foi uma fase horrível para a gente porque tínhamos a comunicação cerceada. A sensação de insegurança era constante, não conseguimos sequer enterrar a avó do meu marido que ocupava o lugar de mãe para ele e faleceu nesse período”, lamentou.
Choro durante a sessão
Durante a sessão, foram exibidas algumas fotos do carro atingido pelos tiros e também algumas imagens do documentário de Marielle Franco, em que a vereadora aparece penteado o cabelo da filha de Fernanda. A jornalista não conseguiu conter a emoção e chorou ao descrever a relação que tinha com a chefe e amiga.
“Eu não sou mais a mesma Fernanda daquele dia 14 de março de 2018. Foi horrível não poder participar dos ritos de despedida da Marielle, eu fui impedida. Nós eramos amigas e ela era madrinha da minha filha. Precisei de auxílio psicológico para lidar com essa situação. Minha filha sofreu muito com isso porque tivemos que sair às pressas de casa e ela não entendia porque estávamos ‘fugindo’. Quando pegamos o voo no dia seguinte e ela me perguntou o que era ‘assassinato’, uma palavra que ela desconhecia e não fazia parte do vocabulário dela”, contou.
Fernanda disse que ambas eram muito próximas, eram vizinhas e tinham uma relação de “muito especial”.
Próximos depoimentos
Além da assessora, serão ouvidas outras oito testemunhas. Sete indicadas pelo Ministério Público estadual e duas pela defesa de Ronnie Lessa. A defesa de Elcio Queiroz desistiu de ouvir as testemunhas que havia requerido anteriormente.
Os dois acusados participarão do júri popular por videoconferência diretamente das unidades onde estão presos. Ronnie Lessa está na Penitenciária de Tremembé, no interior de São Paulo. Já Élcio está no Centro de Inclusão e Reabilitação, em Brasília. Algumas testemunhas também poderão participar virtualmente da sessão do júri.