A segurança pública é uma das grandes preocupações da população e vem sendo apontada cada vez com mais frequência como algo importante na avaliação de um governante. Pesquisa AtlasIntel de maio mostra que 60% dos entrevistados consideram a criminalidade e o tráfico de drogas como os principais problemas do país, à frente de questões como saúde, educação e inflação. A despeito da melhora de alguns indicadores (o país fechou 2023 com o menor registro de crimes violentos letais intencionais desde 2010), a situação continua grave e uma porção especial do território vive hoje problemas acima da média nessa área: o Nordeste, palco de quase metade dos assassinatos cometidos nos quatro primeiros meses de 2024. Em outras regiões do país, as taxas de homicídios, embora em queda, estão longe do ideal. Mesmo assim, há exemplos bem-sucedidos em estados como Minas Gerais e Espírito Santo, que ajudaram a fazer do Sudeste a região onde a violência mais cai. São Paulo chegou a uma taxa de 1,37 morte por 100 000 habitantes nos quatro primeiros meses deste ano, comparável à de países como França e Canadá.
A piora dos indicadores no Nordeste provocou uma alteração na geopolítica do crime: pela primeira vez desde 2020, o Rio não aparece entre os três estados mais violentos. O “top 3”, segundo dados de janeiro a abril consolidados pelo Ministério da Justiça, são agora Bahia, Pernambuco e Ceará. O número de homicídios nesses estados foi maior do que o de locais mais populosos, como São Paulo, Rio e Minas Gerais (veja o quadro).
Essa dificuldade no controle da criminalidade se tornou um problema político para os governadores Jerônimo Rodrigues (PT), Raquel Lyra (PSDB) e Elmano de Freitas (PT), que devem buscar a reeleição. O quadro pode influenciar o desempenho de seus aliados também na eleição municipal deste ano. Para além disso, o fato de a crise ser no Nordeste amplia a encrenca política para Lula, porque a região é um histórico reduto eleitoral petista. O problema só vai reforçar a desconfiança da população de que a esquerda, por razões ideológicas, tem muitas dificuldades de ser dura e eficiente no combate ao crime.
A situação mais preocupante há algum tempo é a da Bahia. O estado não sai do primeiro lugar desde 2020 — só neste ano, foram 1 488 mortes. A expansão e fragmentação do crime organizado é uma das explicações. Segundo o Ministério da Justiça, catorze facções atuam nos presídios de lá. A Bahia foi a terceira unidade da federação com mais apreensões de fuzis neste ano (28), atrás de Rio e São Paulo. O estado ainda carrega o título de polícia mais violenta — 1 701 mortes em 2023, um quarto do país. O cenário de guerra já impacta a popularidade de Jerônimo: em Salvador, a desaprovação a seu trabalho subiu de 35%, em janeiro, para 43%, em junho, segundo o instituto Paraná Pesquisas. Pressionado, o governador assinou, na terça 4, a criação do Bahia Pela Paz, um programa que visa reduzir as taxas de criminalidade com ações policiais integradas com políticas sociais, de educação, cultura, emprego e saúde.
A pressão política não afeta apenas o governador da Bahia. Em Pernambuco, a crise de segurança fez com que Raquel Lyra trocasse os comandos das polícias Civil e Militar em janeiro. Antes, havia lançado o programa Juntos Pela Segurança, para reduzir em 30% os crimes até o fim de 2026. “Temos investido muito na compra de equipamentos, em inteligência policial, no combate ao crime organizado e nas operações de repressão qualificada”, disse. A tucana ainda enfrenta a insatisfação de policiais civis, que pedem reajuste salarial, reclamam da falta de investimentos e de diálogo do governo com a categoria, e promoveram atos públicos de protesto na quarta-feira 5.
Infelizmente, as soluções adotadas são sempre mais circunstanciais do que mirando o longo prazo. O aumento da violência também mudou a cúpula da segurança no Ceará. Na segunda-feira 3, Elmano apresentou Roberto Sá como novo secretário de Segurança Pública — ele comandava a mesma pasta no Rio em 2018, quando o estado foi alvo de intervenção federal pelo presidente Michel Temer exatamente porque a violência estava fora de controle — ou seja, não parece uma manobra muito promissora. Ao empossar Sá, Elmano anunciou finalmente um comitê estratégico para combate ao crime, aumento do efetivo policial e investimentos em tecnologia. “Seremos implacáveis contra o crime”, disse. “Estaremos 24 horas atrás de criminosos”, ecoou Sá. São medidas sensatas e na direção correta, mas que já poderiam ter sido tomadas bem antes de a situação sair do controle. Além disso, a prática precisa acompanhar o discurso — algo que nem sempre acontece.
O Nordeste sofre agora na carne a onda de violência relacionada à expansão do narcotráfico, em especial de duas facções criminosas: Comando Vermelho e PCC. Nas últimas quatro décadas, elas dominaram periferias do Rio e São Paulo e estenderam seus tentáculos para outros estados por meio de disputas territoriais sangrentas. As operações armadas são comandadas dos presídios, onde as condições precárias criam ambientes ideais para o recrutamento pelo crime organizado. “A repressão às drogas contribui para inflar a população carcerária, onde se originam muitos dos confrontos entre facções, e essas dinâmicas das cadeias escapam para as periferias controladas pelo tráfico”, diz Cristina Neme, pesquisadora do Instituto Sou da Paz e do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP.
Grande parte do cenário no Nordeste se deve ao avanço das facções do Sudeste em busca de postos-chave para a exportação de cocaína para Europa e África, como as zonas portuárias de Salvador e Aratu (BA), Mucuripe (CE) e Recife e Suape (PE). “Diversos estados do Nordeste tornaram-se rotas estratégicas para o escoamento da produção de drogas vindas dos países andinos”, diz José Luiz Ratton, coordenador do Núcleo de Estudos em Criminalidade, Violência e Políticas Públicas de Segurança da UFPE e pesquisador da Fiocruz Pernambuco. A alta de mortes é reflexo de um narcotráfico fragmentado em grupos locais, que vêm firmando alianças com o CV e o PCC e travando confrontos cada vez mais frequentes. Um exemplo é o Bonde do Maluco, gangue formada em 2015 na Bahia, que se aliou ao PCC e hoje é considerada uma das organizações mais perigosas do país.
Embora a responsabilidade sobre a segurança pública seja principalmente dos governadores, o avanço das facções e do tráfico internacional tem cada vez mais jogado o problema no colo do governo central. No atual mandato de Lula, tanto o ex-ministro da Justiça Flávio Dino quanto o atual, Ricardo Lewandowski, declararam “guerra” ao crime organizado. Para a população, a batalha por enquanto está sendo perdida. Segundo a AtlasIntel, 53% desaprovam o trabalho de Lula nesse campo, o pior índice entre todas as áreas. Para complicar, seus aliados nos estados não estão dispostos a assumir sozinhos o ônus, como deixou bem claro Jerônimo Rodrigues. “É preciso que esse cerco às facções seja feito e quem tem que fazer isso, a proteção nacional, é o governo federal”, afirmou. A declaração reflete o nível a que chegou a crise de segurança no Nordeste. Na tentativa de salvar sua pele da saraivada justa de críticas, o petista Jerônimo resolveu sair atirando na direção do Palácio do Planalto — e, na parte que toca às responsabilidades dos companheiros de Brasília, está coberto de razão.