Dos 224 municípios do Piauí, apenas 68 possuem um órgão dedicado exclusivamente às políticas públicas voltadas para as mulheres. O dado foi apresentado pela secretária da Mulher, Zenaide Lustosa, em audiência pública realizada na Assembleia Legislativa do Piauí (Alepi) nesta sexta-feira (30) para debater os altos números de feminicídio no estado.
A audiência foi proposta pela presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, Elisângela Moura (PC do B), e pela deputada Gracinha Mão Santa (Progressistas) e também contou com a presença de Franzé Silva (PT). “O Piauí tem sido um estado que tem aumentado o seu número de feminicídios durante o ano de 2025 comparado com 2024. Já foram mais 19 feminicídios. Mulheres que tiveram suas vidas ceifadas. Isso é uma mulher a menos. Isso nós não aceitamos, isso nós não queremos”, denunciou Elisângela Moura na abertura do debate.
Gracinha Mão Santa também alertou para a relevância de debater o tema: “O feminicídio segue sendo uma das expressões mais alarmantes da desigualdade de gênero no nosso país. Em mais um ano, os dados dos sistemas revelam números elevados de homicídios e de agressões contra mulheres, evidenciando a continuidade desse fenômeno estrutural, a despeito das políticas públicas implementadas nas últimas décadas”.
Dificuldade de mulheres do interior terem acesso a seus direitos
Falta de orçamento e interiorização são os principais desafios a serem enfrentados, de acordo com Zenaide Lustosa, para implementar políticas públicas que reduzam o número de feminicídios. Ela informou que apenas 68 dos 224 municípios do Piauí têm um órgão exclusivamente dedicado a ações para mulheres. Campanhas de conscientização, parcerias com outros órgãos e empresas e a busca de recursos federais são algumas ações realizadas pela Secretaria de Estado das Mulheres. Ela disse que precisa chegar a mais piauienses o canal de acolhimento “Ei, mermã, não se cale” que pode ser acessado pelo número 0800 000 1673.
A falta de interiorização das políticas públicas voltadas às mulheres foi um problema repetido pelo defensor público Marcus Vinícius Carvalho da Silva Sousa. Ele citou a dificuldade que os defensores de várias cidades do interior do estado têm em encaminhar as denunciantes para órgãos que façam a sua proteção. Atualmente, segundo o mesmo, o Núcleo de Defesa da Mulher da Defensoria Pública do Estado já chegou aos maiores municípios piauienses. Facilitar e conscientizar as mulheres sobre o direito de denunciar ainda são medidas necessárias, de acordo com Marcus Vinícius.
Propondo solução para o problema, o deputado Franzé Silva disse que vai apresentar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que torna improbidade administrativa o gestor que não garantir o cumprimento de leis já existentes que protegem as mulheres. “As leis só vão ser efetivadas na hora que o CPF do gestor estiver em risco. Se ele não cumprir a lei, tem que gerar improbidade administrativa. Essa PEC vai sair do papel”, falou o parlamentar.
Judiciário e Ministério Público buscam ampliar canais de atendimentos às vítimas
A juíza Junia Feitosa explicou que a evolução do Judiciário para combater crimes de violência doméstica ainda é recente. Nos últimos 3 anos, o número de juízes que atendem nas varas dedicadas a esse tipo de processo saiu de 1 para 3. Ela informou que o tribunal oferece o número de whatsapp (86) 98128-8015, chamado de Júlia – Sentinela, para reduzir as dificuldades que as mulheres têm para denunciar. Ainda cobrou que órgãos públicos ofereçam programas internos de combate à violência doméstica seguindo modelo do TJ.
A dificuldade de pessoal também é uma realidade do Ministério Público. A promotora Amparo Paz afirmou que tem aumentado o número de promotores dedicados a violência doméstica, mas que ainda não é suficiente. Ela sugeriu que haja um acompanhamento de mudanças de endereço de vítimas e testemunhas que precisam ser ouvidas para que os processos não acabem em absolvição para os violentadores. A necessidade de um atendimento ágil e bem receptivo às vítimas também foi pontuada pela promotora.
Ponto também levantado pela representante da OAB-PI (Ordem dos Advogados Brasil). A advogada Júlia Barroso Araújo cobrou uma maior humanização dos atendimentos nos tribunais. Enquanto presidente da Comissão da Mulher Advogada, ela disse que tem trabalhado para a conscientização dos advogados para que não defendam seus clientes denunciados por feminicídio com argumentos ligando o crime a questões passionais, relação que também foi criticada pela professora doutora Lívia Nery da UFPI (Universidade Federal do Piauí) quando utilizada nos meios de comunicação.
Conscientização de homens e mulheres sobre o problema é essencial
Levar informações sobre canais de denúncias, direitos e estruturas de proteção para a sociedade piauiense foi outra ação considerada central na audiência pública. No entanto, ainda é fundamental para os participantes do debate, que homens e mulheres combatam questões culturais que atrapalham o combate ao feminicídio.
Ações em escolas que contribuam para que, desde criança, os piauienses saibam que as mulheres precisam ser tratadas de forma semelhante aos homens e que violentadores vão ser punidos são essenciais para a redução dos números. Enquanto essa medida não for tomada, os participantes acreditam que casos de desrespeito a mulheres, como o que aconteceu com a Ministra Marina Silva em audiência no Senado Federal, vão continuar incentivando os criminosos.