Dia 15 de abril próximo vindouro será aniversário de nascimento do escritor pedro-segundense de saudosa memória Genuíno Sales. Em 2019 fui convidado pela Academia do Vale do Longá para proferir um panegírico a ele, o qual reproduzo abaixo como uma homenagem à sua memória.
Boa noite aos presentes, confreiras e confrades da Academia de Letras Vale do Longá a quem saúdo na pessoa de nosso presidente, Itamar. Gostaria de agradecer o convite feito a mim para breve pronunciamento à memória do nosso querido conterrâneo Genuíno Sales.
Um panegírico, necessariamente, deve primar, por definição, pela exaltação um tanto edulcorada de alguém ou de um ser abstrato. Conhecedor, porém, de como era a personalidade do homenageado, diria que ele riria e deixaria escapar um ‘menos, mestre, menos…’. Nesse sentido, cederei um pouco à vontade pétrea do mestre, mas manter-me-ei, em linhas gerais, fiel à proposta a mim solicitada por esta augusta academia para proferir este modesto panegírico.
Assim, meu pequeno texto terá dois momentos. No primeiro momento buscarei situar o homem Genuíno Sales, filho de terras nordestinas, filho do sertão. No segundo momento, trarei à luz um aspecto muito pouco conhecido de Genuíno, seu inconformismo para com as desigualdades sociais. A esse aspecto de sua personalidade que chamei em outro texto de ‘revolucionário’. Uma personae une a ambos os momentos: o matuto.
Vamos ao primeiro momento:
Genuíno Rodrigues de Sales nasceu a 15 de abril de 1938, na fazenda Tamboril dos Sales, (atual cidade de Domingos Mourão, à época pertencente ao município de Pedro II). Faleceu em Fortaleza em 29 de setembro de 2018. Foi o décimo terceiro filho de Izabel Francisca de Jesus e de Antonio Francisco de Sales.
Como todo menino interiorano, Genuíno era dado à vida ligada à terra, ao trabalho dos empregados da fazenda de seu pai, às brincadeiras infantis, às festas do padroeiro.
Cursou o ensino das primeiras letras na cidade de Pedro II por insistência da mãe, uma vez que o menino Genuíno queria mesmo era ser um ‘cuidador de gado’. Aos 12 anos retorna ao campo com essa determinação.
Mas aos 16 anos prestou exame de admissão em Parnaíba no Colégio São Luís Gonzaga, no qual foi aprovado em primeiro lugar. O colégio era no formato de internato e ali aprendeu latim, ficando até o terceiro ano do ensino médio.
Em 1961, aos 25 anos, foi para Fortaleza onde prestou vestibular na UFCE para Direito e na UECE para Letras. Foi aprovado em ambos os exames vestibulares.
Em 1962 o coração de Genuíno encontraria o coração de sua Glides Mendes. Casariam seis anos depois e tiveram três filhos e quatro netos.
Recebeu o título de Bacharel em direito e graduou-se em letras por notório saber.
Trabalhou na Federação dos Bancários do Norte e Nordeste por cinco anos, foi nomeado juiz de Direito no Piauí, mas recusou. Foi professor por mais de cinquenta anos.
Em 1975 foi eleito por três vezes presidente da Academia Cearense de Língua Portuguesa. Ganhou vários concursos literários, dentre eles o 1º lugar no primeiro concurso de literatura, promovido pela Secretaria de Cultura do Ceará. Foi Diretor de Ensino da Organização Educacional Farias Brito.
Com a frase “uma coisa é você não fazer porque não sabe. Outra coisa é você não fazer porque não pode”, Genuíno sentenciou o diagnóstico do Mal da Parkinson, em 1999, mesmo ano em que recebeu o título de cidadão cearense. O Parkinson, contudo, foi para Genuíno elemento de adensamento do viver. À medida em que fisicamente a doença ganhava a batalha, seu espírito, sua vontade de produzir poesia cresciam.
Genuíno fez da doença uma companheira não propriamente desejada, mas na medida do possível suportada. Fazia inúmeras piadas com sua condição de parkinsoniano ao mesmo tempo que passou a dar palestra sobre a mesma.
Genuíno Sales foi eleito em 10 de maio de 2006 para a Academia Cearense de Letras, quando então disse: “Me senti muito honrado. Eu considero um privilégio muito grande. Tornar-me um acadêmico dessa academia é assumir um compromisso muito grande com a cultura cearense.
Em vários momentos de sua vida, Genuíno frisaria que esse caldo cultural lhe daria a ‘consciência de matuto’ à qual ele sempre recorria, apoiando-se nela de forma respeitosa e lúdica ao mesmo tempo. Note-se que, do ponto de vista de classe social, Genuíno era filho de um homem de posses em torno de cuja casa orbitava todo um mundo com sua complexidade.
Esse auter-ego do matuto, constantemente retomado por Genuíno, aparecerá sobretudo em dois momentos da vida de Genuíno: na vida cotidiana, quando estava entre amigos e a conversa fluía solta. Nesses momentos a figura do matuto era assumida por ele de forma plena. Não apenas no linguajar, como também na linguagem corporal. Gestos largos, calorosos, olhos arregalados, sorriso solto.
Nesses momentos de convivência familiar e com amigos, o ‘matuto’ aflorava à superfície mesma da personalidade de Genuíno e dominava a cena. Muito provavelmente isso acontecia pela transparência que as relações desse naipe permitem.
Nos momentos de descontração, pois, a persona matuto como que se apropriava quase que totalmente do ego de Genuíno e, arriscamos dizer, seria quando Genuíno ele mesmo encontraria um estado quase pleno do gosto de viver.
É de se notar que desde pequeno o menino Genuíno costumava ‘tomar as dores do povo”. Nesse sentido, nele vigorava um senso de justiça muito peculiar. Assim foi que já na mocidade colocou-se politicamente como um homem de ‘esquerda’, um lutador pela melhoria de vida dos trabalhadores.
Chegou, por várias vezes, a dizer que o não exercício da advocacia e da magistratura deveu-se ao fato de que, em uma cidade interiorana seria praticamente impossível exercer em plenitude seu espírito democrático.
Durante a ditadura militar irrompida em 1964 e até à
redemocratização do País, militou no PMDB. Foram várias as campanhas políticas das quais participou, sempre na linha de uma busca de melhorias sociais para as classes menos favorecidas.
Ainda no final da década de 1960, foi o mentor da criação do CROP – Clube Recreativo dos Operários de Pedro II. Tratava-se de agremiação que acolhia os trabalhadores e as pessoas das camadas populares na cidade de Pedro II. Lá na sede realizavam-se festas dançantes, bingos, horas-de-arte nas quais Genuíno declamava poemas inflamados e de forte conteúdo social.
Poderíamos prosseguir nessa linha de raciocínio, trazendo à tona inúmeras facetas de sua atuação como intelectual orgânico, no sentido de Gramsci, mas o tempo urge.
Passemos ao outro aspecto da personalidade genuineana. O literato. Ou melhor, o personae do matuto investido de literato em perfeita simbiose.
Adentrando, agora, à sua obra poética, foram muitos os textos que escreveu. Citamos os livros: Entre Mentes (2003, poesia), Análise Sintática- Cadernos de Genuíno (2003), Os Sertões (poesia, 2003) Bem na Safena (2000, contos) Fins d´Água (contos), Veio no Vento (contos). Publicou ainda inúmeros artigos, poemas e contos em jornais de circulação regional.
Foi também o criador de vários jornais desde o tempo de faculdade. Em Pedro II criou o Jornalzinho O Itamaraty e Matões.
Como reconhecimento de sua atuação nas letras e na cultura, ressaltamos: a “Medalha de Mérito Renascença do Governo do Piauí”, Medalha Cultural do Governo Cearense e “Medalha do Mérito Cultural de Pedro II Prof. Wilson Brandão”, na cidade de Pedro II. Genuíno foi, sobretudo um contista.
Sobre esse gênero literário escreveu em 28 de setembro de 2008 no Jornal Diário do Nordeste: “Escrever um conto é tornar-se notório perspicaz no tabelionato de existência com a ansiedade insondável da procura de realizar a epifania da história. Os que escrevem contos são os maiores timoneiros do destino porque imortalizam a certeza dos desígnos dos mares tulmutuosos da vida. Moreira Campos e Machado de Assis são por ele os melhores contistas (o conto tende a se firmar por causa da síntese”.
Em outro lugar dissemos que, do ponto de vista de classe social, Genuíno era filho de um homem de posses em torno de cuja casa orbitava todo um mundo com sua complexidade. Com isso queremos dizer que a personae do matututo foi autêntica no homem Genuíno.
Já o homem de letras, o poeta, o contista, lançava mão desta personae para, a partir dela, criar seu (dele Genuíno) mundo literário.
A obra literária de Genuíno Sales é uma extensão no campo da Arte da fazenda de seu pai. A personae matuto aí atinge sua plenitude, compensando o ‘matuto que ele poderia ter sido e que não foi’.
A ficção em prosa Genuineana tem sempre um pé no factual, no causo, no acontecimento inusitado que tem na vida política, na vida social interiorana seu mote.
A sua poesia tem também esse aspecto telúrico, mas por vezes decola para outras temáticas líricas (a mulher, a própria poesia). Contudo, seu poema maior, Matões,trata-se de um poema de temática telúrica. Genuíno dizia que o poema com o qual gostaria de ser lembrado.
Obrigado.
(Teresina, 14 de junho de 2019. Academia de Letras do Vale do Longá).
Ernâni Getirana de Lima
ERNÂNI GETIRANA (ernanigetirana12@gmailcom) é professor, poeta e escritor. Membro das academias ALVAL e APLA (da qual é o atual presidente), pertence à UBE, IHGPI e aos coletivos literários Amigos da Literatura e Coletivo Literário de São Benedito, CE, é membro fundador do Coletivo P2. Autor de diversos livros, dentre eles “Lendas da Cidade de Pedro II” e (Livraria Entrelivros e Tenda da Cruviana). Escreve às quintas-feiras para o Portal News Piauí.