Pois lá em cima do paredão, golpeado pela brisa que descia desde as bandas da Serra dos Matões o corpo moreno, mirrado e encurvado de Pedro Sabiá procurava a todo custo chegar ao outro lado do riachinho. Um pouco mais para baixo de onde estava Pedro Sabiá despencava água em cachoeira que descia apressadamente também em siribolos lá para baixo do mat’aparte fechado.
Não ia muito bêbado não, apenas tumbecando aqui e ali, pois hoje ainda era sexta-feira meio dia e a fome o tinha arrastado para os lados de casa a fim de alimentar aquele corpo magro que, seja como fosse, era o de um ajudante de ferreiro. Isso mesmo, Pedro Sabiá era um senhor ajudante de ferreiro ao fim das contas.
Ajudante do senhor Euclides Sena, o verdadeiro dono da funilaria. E não havia serviço que metesse medo nele. Fazia mais de trinta anos que dava conta direitinho do recado. Já tinha consertado coisa que até Deus duvidava. Já tinha inventado umas maquininhas para o doutor engenheiro de mina Freak Lee James, da mina de opala Boi Morto, que os próprios engenheiros estrangeiros amigos do doutor tinham ficado de boca aberta e falado aquele palavreado esquisito que ele, Pedro Sabiá, não entendia neca de pitibiriba.
Depois de algumas tentativas infrutíferas, já com as alpercatas de sola em uma das mãos e as pernas da calça arregaçadas até os joelhos o homem não sem muito esforço conseguiu atingir o outro lado do riachinho, havendo um momento em que achou que iria cair de barriga e tudo na água, mas o costume de bom atravessador da Correnteza da Passagem o fez antecipar um pé para a frente do corpo que caía, equilibrando-lhe o esqueleto. Susto passado, agora era hora de forrar o bucho, isso era.
E o bom era que não tinha molhado a calça que Mister Freak Lee havia lhe dado de presente. Calça das boas, resistente para o trabalho, uma calça Far West.
Alguns pernilongos davam voos rasantes por sobre a borda de capim que fazia com que dois pequenos redemoinhos de água se digladiassem, e Pedro Sabiá já dobrava a esquina da casa de seu Sotero Amaro, rumando para as bandas das Areias Brancas. Isso o corpo do homem ia que ia, ia lá, vinha cá, ziguezagueando pela areia quente que até o diabo teria pena.
(por Ernâni Getirana)
Desenho: J Batista (feito especialmente para ilustrar o futuro livro, de que esse trecho foi retirado).
ERNÂNI GETIRANA (@ernanigetirana): É professor de redação, linguística e de Língua Portuguesa, poeta e escritor. É acadêmico da ALVAL e da APLA (da qual é o atual presidente), membro do IHGPI e da UBE-PI. Pertence aos coletivos ‘Amigos da Literatura’ e ‘Coletivo Literário de São Benedito’. É membro fundador do Coletivo P2. É autor, dentre outro livros de “História, Geografia e Literatura do Município de Pedro II, PI” (em fase de diagramação). Publica às quintas-feiras esta coluna no News Piauí.
