A legítima defesa, instituto ancestral do direito, encontra guarida no artigo 25 do Código Penal, definindo-a como a repulsa a agressão injusta, atual ou iminente, a direito próprio ou alheio, utilizando-se moderadamente dos meios necessários. A aparente simplicidade da norma, contudo, esconde complexidades interpretativas que demandam constante análise, sobretudo diante das recentes alterações legislativas e do iterativo posicionamento dos tribunais, em especial quando a conduta defensiva é praticada por agentes de segurança pública.
O Pacote Anticrime e a Legítima Defesa:
A Lei nº 13.964/2019, conhecida como Pacote Anticrime, trouxe importantes modificações no cenário penal brasileiro, impactando também a compreensão da legítima defesa. A inclusão do parágrafo único ao artigo 25 do Código Penal, embora não tenha alterado a essência do instituto, buscou explicitar uma situação já reconhecida pela doutrina e jurisprudência: a legítima defesa do agente de segurança pública que repele agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes.
Essa disposição legal visa oferecer maior segurança jurídica aos profissionais de segurança pública que atuam em situações de extrema complexidade,
como sequestros e roubos com reféns. Contudo, é fundamental destacar que a
aplicação desta norma não dispensa a análise dos requisitos clássicos da legítima
defesa:
● Agressão injusta, atual ou iminente: A agressão deve ser ilegítima, presente (atual) ou prestes a acontecer (iminente). A mera suposição de uma agressão futura não autoriza a conduta defensiva.
● Utilização moderada dos meios necessários: A reação deve ser proporcional à agressão, utilizando-se os meios disponíveis de forma moderada. O excesso na reação, seja ele doloso ou culposo, descaracteriza a legítima defesa.
● Proteção de direito próprio ou alheio: A legítima defesa pode ser exercida para proteger a si mesmo ou a terceiros.
A Problemática Envolvendo Agentes de Segurança Pública:
A atuação de policiais e outros agentes de segurança pública em
confrontos armados frequentemente gera debates acalorados sobre a configuração da
legítima defesa. A linha tênue entre o uso legítimo da força e o excesso precisa ser
analisada com cautela, considerando o contexto fático e as circunstâncias específicas
de cada caso.
A jurisprudência tem se consolidado no sentido de exigir uma análise criteriosa da proporcionalidade da reação, levando em conta a iminência da agressão, os meios empregados pelo agressor e os recursos disponíveis ao agente de segurança. A simples alegação de “troca de tiros” não configura automaticamente a legítima defesa, sendo imprescindível a demonstração da necessidade e da moderação na conduta.
Alterações Jurisprudenciais Relevantes:
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem desempenhado um papel crucial na uniformização da jurisprudência sobre o tema. Decisões recentes têm enfatizado a necessidade de individualizar a conduta de cada agente envolvido em confrontos, afastando a presunção automática de legítima defesa. A análise deve recair sobre a concreta situação de perigo enfrentada por cada agente, verificando se a reação foi proporcional e necessária para repelir a agressão.
Ademais, o STJ tem se posicionado no sentido de que a legítima defesa putativa, quando o agente acredita erroneamente estar diante de uma agressão injusta, também pode excluir a ilicitude da conduta, desde que o erro seja invencível, ou seja, escusável diante das circunstâncias.
Considerações Finais:
A legítima defesa, especialmente quando praticada por agentes
de segurança pública, exige uma análise complexa e multifacetada. A interpretação das
novas regras, à luz da jurisprudência consolidada, demanda um exame minucioso do
caso concreto, considerando a proporcionalidade da reação, a iminência da agressão e
a moderação no uso dos meios necessários.
É imperioso que os profissionais do direito, em especial os que atuam na área criminal, estejam atualizados sobre as recentes alterações legislativas e o entendimento dos tribunais superiores, a fim de garantir a aplicação justa e equânime do instituto da legítima defesa, assegurando a proteção da sociedade e o respeito aos direitos fundamentais. A atuação dos agentes de segurança pública, embora revestida
de maior complexidade, deve sempre observar os limites da lei, sob pena de configurar
abuso de autoridade e outros ilícitos penais.
Por Hielbert Ferreira
Advogado especialista em crimes contra a ordem tributária, econômica, contra as relações de consumo, licitações, lavagem de dinheiro e sonegação fiscal.
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