Se “a vida vem em ondas / Como um mar / Num indo e vindo infinito”, como poetizou Nelson Motta há 42 anos em versos do bolero havaiano Como uma onda (Zen-surfismo), lançado em 1982 na voz do parceiro Lulu Santos, o compositor letrista tem muito o que festejar hoje.
Descontados alguns fracassos e problemas de saúde, a maré geralmente esteve cheia para Nelson Cândido Motta Filho ao longo dos 80 anos completados hoje por esse jornalista, compositor, produtor musical, escritor e roteirista de alma carioca nascido por troça do destino em São Paulo (SP) em 29 de outubro de 1944, mas criado no Rio de Janeiro (RJ) desde os seis anos.
Ainda na ativa, sendo um dos autores do recém-estreado Tom Jobim musical, Nelson Motta é testemunha ocular de momentos decisivos da música brasileira mesmo antes de ter entrado em cena há 60 anos, em 1964, como esforçado violonista do grupo Os Seis em Ponto, efêmero sexteto cuja formação incluía o pianista, compositor e arranjador Francis Hime.
Figura repetida em documentários sobre estrelas da música brasileira, Nelson Motta tem aura tão jovial que desmente as oito décadas de vida. Talvez porque sempre tenha estado de bem com essa vida que lhe foi generosa.
Projetado na era dos festivais como parceiro de Dori Caymmi em músicas como Saveiros (1966) – alvo de vaia histórica dirigida à interprete Nana Caymmi – e O cantador (1967), Nelson Motta marcou época e fez história na música brasileira desde então. Nem tanto como colunista de música, pois preferia perder a notícia e omitir as opiniões mais corrosivas para preservar as amizades (e esses amigos eram ícones da MPB e figurões da indústria fonográfica), mas sobretudo como compositor letrista e/ou produtor musical.
Basta lembrar que Nelson Motta foi o produtor musical de dois álbuns, …Em pleno verão (1970) e Ela (1971), que revitalizaram a discografia de Elis Regina (1945 – 1982) em época em que a cantora já soava antiquada por ter tentado menosprezar a revolução pop que mudara a música do mundo na segunda metade da década de 1960.
Mais tarde, Motta foi visionário ao abrir as portas das discotecas no Brasil com a inauguração em 1976, em shopping carioca então pouco visitado, da Frenetic Dancing Days Discotheque, palco para o surgimento das Frenéticas, libertário grupo feminino arquitetado por Motta, coautor dos dois imortais sucessos do sexteto, Perigosa (Roberto de Carvalho, Nelson Motta e Rita Lee, 1977) e Dancin’ days (Ruban e Nelson Motta, 1978).
Finda a era da disco music, Motta entra na onda pop dos anos 1980 ao escrever as letras de algumas das melhores e mais conhecidas músicas de Lulu Santos, como De repente, Califórnia (1981), Areias escaldantes (1982), o já mencionado bolero havaiano Como uma onda (1982) e a balada Certas coisas (1984), todas ainda hoje hits inevitáveis nos roteiros dos shows de Lulu.
Em 1986, Motta letrou Coisas do Brasil, bossa pop do cancioneiro de Guilherme Arantes, repetindo a parceria no ano seguinte com Marina no ar (1987). Em 1987, Motta arquitetou o lançamento de Marisa Monte, cantora que redefiniu padrões na MPB. Motta produziu o aclamado primeiro álbum da artista, Marisa Monte – MM, lançado em janeiro de 1989.
Em 1990, o produtor tirou a aura brega da discografia de Sandra de Sá ao idealizar um dos álbuns mais refinados, Sandra!, da carreira da cantora carioca de funk, então às voltas com baladas industrializadas para as rádios.
Menos lembrada, mas também bem-sucedida, é a redefinição da imagem de Patricia Marx, cantora que, após ter sido vocalista do grupo infantil Trem da Alegria, iniciara carreira solo com ar adolescente. Motta reapresentou Marx em 1994 para o público adulto através do selo que criara, Lux Records.
Autor de livros best-sellers da bibliografia musical, como Noites tropicais – Solos, improvisos e memórias musicais (2000) e Vale tudo – Tim Maia (2007), Nelson Motta nunca deixou de lançar livros, inclusive na área da ficção. O atual, Corações de papel (2024), coletânea de cartas de amor escritas entre 1964 e 1965 para a então namorada Ana Luísa e contextualizadas pelo autor no livro (ainda em pré-venda) com informações sobre as circunstâncias históricas e culturais em que as cartas foram escritas.
Como letrista, Nelson Motta verteu com elegância para o português músicas estrangeiras gravadas por cantores exigentes como Djavan, Marina Lima e Marisa Monte, também intérprete da música então inédita, Nós e o tempo, parceria de Motta com Cezar Mendes e a própria Marisa apresentada no álbum Nelson 70 (2014), lançado há uma década para festejar os então 70 anos do artista.
“Parece ilusão, parece ficção, parece destino / Se alguém contar, ninguém acredita, qualquer um duvida / Mas a vida é assim e o real é mais / Do que as fantasias, do que a razão / Parece mentira, parece que sim, parece que não”, canta Marisa em Nós e o tempo, dando voz aos versos que escreveu com o compositor sobre a fugacidade das certezas e do próprio tempo.
Ouvidos hoje, dia dos 80 anos do artista, esses versos sugerem o quão incrível tem sido a vida de Nelson Motta. Parece mesmo ilusão ou ficção, mas, no fim das cantoras, parece ser mesmo o destino desse artista multimídia que vem se cumprindo em marés quase sempre cheias.