O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) discursou na manhã desta terça-feira, 24, em Nova York, na abertura do debate de chefes de Estado e de governo da 79ª edição da Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU). Em sua fala, ele lembrou das vítimas dos conflitos armados mais recentes na Ucrânia e no Oriente Médio, criticou a incapacidade global da construção de ações de enfrentamento à fome e às pandemias, alfinetou indivíduos e corporações anti-democráticas e chamou a atenção para as mudanças climáticas.
Tradicionalmente, o Brasil abre os discursos no encontro anual dos líderes dos mais 190 países da ONU por tradição. Esta é a oitava participação de Lula em discursos de abertura, cujas falas haviam sido marcadas por tratarem do combate à fome e ao aquecimento global.
“É impossível ‘desplanetizar’ a nossa vida em comum. Estamos condenados à interdependência das mudanças climáticas. O planeta já não espera para cobrar da próxima geração. Está farto de acordos climáticos que não são cumpridos. Está cansado de metas de redução de carbono que são negligenciadas”, disse Lula, aproveitando para cobrar auxílio financeiro aos países pobres.
A comunidade internacional esperava que o presidente brasileiro, que está nos Estados Unidos desde o último sábado, 20, abordasse as ameaças à democracia e os conflitos armados ao redor do mundo. Além disso, as mudanças climáticas também eram um tema aguardado no discurso de Lula, em especial devido às queimadas que atingem o Brasil este ano — e à dificuldade do governo em combater os incêndios –, além da cheia histórica no Rio Grande do Sul.
“O negacionismo sucumbe ante às evidências do aquecimento global”, destacou Lula, ao citar as altas temperaturas registradas no mundo, os furacões no Caribe, tufões na Ásia, as secas e as inundações na África e chuvas torrenciais na Europa. O presidente também citou as tragédias brasileiras.
“No Sul do Brasil, tivemos a maior enchente desde 1941. A Amazônia está atravessando a pior estiagem em 45 anos. Incêndios florestais se alastraram pelo país e já devoraram 5 milhões de hectares apenas no mês de agosto”, acrescentou o petista, que elencou as ações que têm sido tomadas pelo seu governo para combater crimes ambientais. “Além de enfrentar o desafio da crise climática, lutamos contra quem lucra com a degradação ambiental. Não transigiremos com ilícitos ambientais, com o garimpo ilegal e como o crime organizado.”
Democracia e desigualdades
“O futuro passa, sobretudo, por construir um estado sustentável, eficiente e inclusivo, e que enfrente todas as formas de discriminação. Que não se intimida indivíduos, corporações ou plataformas digitais que se julgam acima da lei. A liberdade é a primeira vítima de um mundo sem regras”, continuou o presidente em referência ao X (antigo Twitter) no Brasil.
No discurso, Lula também criticou a desigualdade e a distribuição de renda em nível global, pediu recursos para países mais desenvolvidos e a criação de políticas para o combate à fome.
“A fortuna dos cinco principais bilionários mais que dobrou desde o início dessa década, ao passo que 60% da humanidade ficou mais pobre. Os super ricos pagam, proporcionalmente, muito menos impostos do que a classe trabalhadora. Para corrigir essa anomalia, o Brasil tem insistido na cooperação internacional para desenvolver padrões mínimos de tributação global”, discursou.
Lula lembrou que “hoje, o mundo produz alimentos mais do que suficientes para erradicá-la (a fome). O que falta é criar condições de acesso aos alimentos. Esse é o compromisso mais urgente do meu governo.”
O presidente criticou a falta de representatividade de países africanos e de mulheres nas altas lideranças na ONU, desde a fundação da entidade. “Várias nações, principalmente do continente africano, estavam sob domínio colonial e não tiveram voz sobre os objetivos e o funcionamento. Inexiste equilíbrio de gênero no exercício das mais altas funções. O cargo de secretário geral jamais foi ocupado por uma mulher”, lembrou.
Lula também aproveitou a oportunidade para cobrar por recursos para a América Latina –que, segundo ele, vive ‘desde 2014 uma segunda década perdida’. “As condições para acesso a recursos financeiros seguem proibitivas para a maioria dos países de renda média e baixa.”
“A fortuna dos 5 principais bilionários mais que dobrou desde o início desta década, ao passo que 60% da humanidade ficou mais pobre. Os super-ricos pagam proporcionalmente muito menos impostos do que a classe trabalhadora”, completou o brasileiro.
Depois da participação na Assembleia Geral da ONU, Lula tem compromissos marcados com o Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, e com líderes da Jordânia, Espanha e França. Ainda nesta terça, ele também deve se reunir com empresários.
“Crise da governança global”
Neste domingo, 22, Lula fez o primeiro discurso da viagem a Nova York. Na Cúpula do Futuro, ele pediu mais “ambição e ousadia” à ONU e disse haver uma “crise da governança global”.
“A pandemia, os conflitos na Europa e no Oriente Médio, a corrida armamentista e a mudança do clima escancaram as limitações das instâncias multilaterais. A maioria dos órgãos carece de autoridade e meios de implementação para fazer cumprir as suas decisões. A Assembleia Geral perdeu sua vitalidade e o conselho econômico e social foi esvaziado”, pontuou.
Ainda no discurso de domingo, Lula criticou a ONU por não ter “coragem de criar Estado palestino” “Quando a ONU foi criada, tinha 51 países, agora tem 193. Significa que mais de 140 não participaram da criação da ONU. E a ONU, que, quando foi criada, teve força de criar o Estado de Israel, hoje não tem coragem de criar o Estado palestino. Não tem força para decidir”, disse Lula após receber um prêmio da fundação por políticas de combate à fome e à pobreza em seus governos.