Fã de churrasco, de Chico Buarque , frequentador dos bares da Asa Norte e economista especializado na teoria marxista, Donald J. Harris, pai da candidata democrata à presidência dos EUA Kamala Harris morou na capital federal na década de 1990 e deu aula na Universidade de Brasília (UnB).
Acadêmico já renomado nos Estados Unidos, ele fez parte de quadro de professores e deixou saudade nos amigos que fez no Distrito Federal. É o que conta o professor emérito do departamento de economia da UnB Joanílio Teixeira.
Amigo próximo de Donald Harris, a quem chama de “Don Harris”, o professor hospedou o pai de Kamala por dois meses, em 1990. Joanílio, que à época era diretor do departamento de economia, lembra que estava com o segundo andar de casa vazio e que convidou Donald para morar com ele.
“Ele fazia palestras, a gente almoçava, batia papo. E aqui em casa era muito fácil porque ele ficando aqui, tomava café com a gente, no fim de semana fazíamos churrasco. Ele ajudava e fazia também”, diz Joanílio.
O professor brasileiro diz que o pai de Kamala Harris ficou surpreso com o nível de qualificação da UnB.
“[Era] Uma relação de amizade e espanto, de certo modo, de ver a possibilidade de encontrar em um país de terceiro mundo instalações super adequadas, a custo zero para os alunos, e um departamento de economia com uma tradição simultânea de ortodoxia e heterodoxia”, conta o professor.
A questão racial também era tema das percepções de Donald Harris no Brasil. “Pra ele, era uma surpresa ver que, diferentemente dos EUA, mas com algum tipo de analogia, você tinha um setor acadêmico avançado, mas onde a discriminação estava presente, embora no Brasil mais despistada, mais disfarçada”, diz Joanílio Teixeira.
Conhecido por adotar uma linha de defesa da economia marxista, que critica o capitalismo, Harris tinha interesse em discutir o crescimento econômico por meio da distribuição de renda e queda da inflação.
Além das discussões sobre a economia global dos anos 1990, os dois também gostavam de conversar sobre arte e cultura. Com a música brasileira como tema recorrente, Joanílio diz que Chico Buarque era um dos favoritos do pai de Kamala.
O professor brasileiro chegou a visitar Harris na Califórnia, mas não conheceu as filhas do amigo. Joanílio guarda cartas e e-mails que trocou com Harris.
Família
Quando Donald Harris esteve no Brasil, ele já era um economista reconhecido, especialmente pela publicação do livro “Capital Accumulation and Income Distribution” – Acumulação de Capital e Distribuição de Renda, em tradução livre –, de 1978. A obra tem uma dedicatória às filhas Kamala e Maya (veja foto abaixo).
Leia aqui o livro em inglês, de graça.
Harris falava pouco sobre a família, segundo Joanílio. Ele se divorciou da mãe de Kamala, a cientista Shyamala Gopalan Harris, em 1971.
“Eu sei que ele estava muito contente com o desempenho delas [filhas], sabendo que elas estavam caminhando bem. Mas a gente não podia nunca imaginar que uma delas ia chegar a ser vice-presidente e agora candidata à presidência dos Estados Unidos”, diz Joanílio.
O ex-senador e ex-governador do Distrito Federal Cristovam Buarque já foi professor da UnB e conviveu com o pai de Kamala. Ele conta que conversavam muito sobre a Jamaica, país natal de Harris, sobre concentração de renda e sobre racismo. A lembrança para Buarque é de um colega simpático.
“Eu sei que ele frequentava muito com os professores e alunos, ia aos botecos que tinha aqui ao redor do Campus da Asa Norte. (…) O que ele deixou é o que os outros estrangeiros deixam, que é uma experiência nova, uma bibliografia nova, uma visão nova”, diz Cristovam Buarque.
Cristovam afirma não ter dúvidas sobre a influência do pai na vida da candidata à presidência dos Estados Unidos. “Não tenho dúvida que a Kamala Harris é muito influenciada por uma visão que o pai e a mãe têm, devido a suas origens”, diz.
Visitas ao Brasil
Donald Harris esteve pelo menos quatro vezes no Brasil. Na Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Gestão de Políticas Públicas (Face) da UnB foi duas vezes professor visitante e veio outras duas vezes como palestrante.
Em 1990 e 1991 veio como bolsista da Fundação Fullbright. Um relatório do seu desempenho acadêmico obtido pela GloboNews mostra que o economista também visitou outras universidades e foi para conferências e seminários em Fortaleza, Recife, Salvador e no Rio de Janeiro.
Na UnB, o tamanho das turmas era relativamente pequeno, cerca de 15 a 50 alunos. Ele ficou impressionado com o nível de preparação e alerta crítico dos alunos da UnB, contam os colegas.
As palestras eram em inglês, e isso não representava um problema. Os alunos escreviam artigos que Harris lia, avaliava e discutia com eles.
O consultor do Banco Mundial Jorge Thompson Araújo foi aluno de Harris e conta que o economista era um professor reservado, mas muito atencioso, e que transmitia um “ar de sábio”.
“Nós convivíamos um pouco socialmente, mas sempre havia uma distância, porque o professor famoso, de Stanford. Eu era um aluno da universidade, jovem ainda. […] Ele sempre foi atencioso com os alunos, tanto é que depois eu senti liberdade de me corresponder com ele. […] Abriu meus olhos em termos de um outro nível de pesquisa, de profundidade, de conhecimento, e me ajudou bastante nesse estágio da minha carreira”, diz Jorge Thompson Araújo.
Em 1993, Jorge enviou uma carta para Donald Harris contando sobre a pesquisa que fez no doutorado, usando como base os livros do pai de Kamala. Prontamente Harris respondeu (veja imagem acima).
“Uma carta relativamente curta, mas muito simpática. Ele agradecia pelo trabalho e disse que gostou muito porque achou que nós havíamos resolvido o tal problema teórico de modo elegante. […] Eu guardo essa carta até hoje, ainda mais depois que eu soube que ele é o pai da Kamala Harris, né?”, diz Jorge Thompson Araújo.
O professor emérito do departamento de economia da UnB Joanílio Teixeira deseja reencontrar Harris e manda um recado: “Estou contente em saber que ele continua suficientemente forte e que ele tem uma filha de grande destaque. Ele deve estar muito contente com isso. Espero que ele possa ainda pensar na possibilidade de um dia a gente se encontrar”.
Trajetória profissional
O pesquisador Donald J. Harris começou a trabalhar em 1972 na Universidade de Stanford, onde se aposentou 26 anos depois, em 1998, com o título de professor emérito. Ele foi o primeiro acadêmico negro a receber um mandato no departamento de Economia da universidade, segundo o jornal The New York Times.
O professor teve como principais áreas de estudo cinco temas na economia, segundo a Universidade de Stanford:
- Valor, Capital, Distribuição
- Crescimento e Desenvolvimento
- Abordagens Alternativas
- Economia dos EUA
- Economias da Jamaica e do Caribe
Donald J. Harris também foi consultor econômico do governo da Jamaica, atuando como conselheiro de sucessivos primeiros-ministros.