O embaixador da Mauritânia no Brasil, Abdoulaye Idrissa Wagne, disse acreditar que dificilmente os nove corpos presentes em um barco que apareceu no litoral do Pará, no último dia 13, sejam do seu país. Ele afirmou que a Mauritânia também está investigando a origem da embarcação e o acidente.
“A fase de investigação não foi concluída, estamos aguardando o relatório oficial [da PF], mas também estamos apurando. O que sabemos é que o barco provavelmente saiu da Mauritânia e que o destino era a Europa, não o Brasil. Mas se saiu de lá, trazia imigrantes que entraram ilegalmente no país”, afirmou Abdoulaye ao UOL.
Ele explica que são poucos os casos de mauritanos que tentam fugir do país pelo Atlântico. Segundo ele, o comum é a entrada ilegal de migrantes de outras localidades no país para fugir para as Ilhas Canárias em embarcações precárias.
Os corpos das vítimas foram enterradas hoje, em cemitério de Belém, de forma provisória até que sejam identificados, e as famílias comunicadas.
“Todos os imigrantes que fazem a travessia são de outros países, que nos buscam por conta da região geográfica mais próxima da Europa. Isso ocorre com Marrocos e Argélia também. Mas não temos um nível de pobreza que leve pessoas a fazer essa travessia. O que sofremos é com muita imigração ilegal, e são essas pessoas que pegam barcos pequenos clandestinos.” embaixador Abdoulaye Idrissa Wagne
Segundo a ONG espanhola Caminhando Fronteiras, ao menos 395 pessoas morreram no trajeto entre a Mauritânia e as Ilhas Canárias em 2023. Considerando toda a costa ocidental da África, o número salta para 6.007 — 14 vezes o total de mortos que tentaram chegar à Espanha pelo Mediterrâneo (434 óbitos).
Apenas um documento mauritano
Segundo o embaixador, a PF informou às autoridades mauritanas que apenas um dos corpos achados tinha identidade do país.
Questionada, a PF confirmou a informação e disse que somente dois documentos de identidade foram achados no barco: um mauritano e outro do Mali, país que desde 2012 vive um conflito que leva migrantes a fugirem justamente para a Mauritânia.
Apesar da nacionalidade dos corpos ainda ser dúvida, a PF informou que a origem do barco provavelmente é mauritana, tanto por sua semelhança com embarcações típicas de pescadores locais quanto por já se saber que o barco esteve no país no dia 17 de janeiro.
Entretanto, uma perícia está sendo feita nos 27 celulares que estavam no barco para ajudar a definir exatamente a identificação dos viajantes e o local de onde ele saiu.
Combate à migração ilegal
Abdoulaye Idrissa Wagne revelou que a Mauritânia fechou um acordo com a União Europeia para combate à imigração ilegal e controle das fronteiras. “Antes disso, já pegávamos muitos imigrantes ilegais no meio do mar. Conseguimos salvar a vida de muitos deles.”
Ele diz que também há no país um trabalho de investigação para identificar e prender integrantes de grupos que apoiam a imigração ilegal. “Caso pessoas de outros países sejam achadas em situação ilegal, são devolvidas aos países de origem”, contou.
Denúncias de escravidão
Sobre as denúncias de entidades de direitos humanos de que a Mauritânia sofre com formas modernas de escravidão, o embaixador negou.
“Acabamos com a escravidão em 1981, mas há uma organização que se aproveita dessa história para vender uma imagem errada do país e receber recursos. Nós não temos cultura de discriminação por causa da raça e da cor. Somos um país democrático, em que o direito é igual para todos.” embaixador Abdoulaye Idrissa Wagne
No domingo, a coluna publicou reportagem citando que o país ainda sofre com resquícios da escravidão e que enfrenta fuga de habitantes por conta da seca agravada pelo intenso impacto das mudanças climáticas.
Entenda o caso
Oito corpos foram encontrados no barco que chegou ao Brasil na região de Bragança, no litoral do Pará. Um outro corpo estava próximo. A PF recolheu 25 capas de chuva, o que levou à conclusão de que a embarcação saiu com 25 pessoas da África.
Os corpos das vítimas foram temporariamente sepultados em Belém — até que as identidades sejam descobertas, e as famílias das vítimas sejam comunicadas.
Todos os dados recolhidos foram enviados para os institutos Nacional de Criminalística e Nacional de Identificação da Polícia Federal, com apoio da Interpol e organismos internacionais.