A frase-título desse texto é do poeta piauiense Climério Ferreira postada dia 26/02/2024 em seu facebook. “Quem quiser ser universal, que cante a sua aldeia” (Fernando Pessoa). Climério, como bom poeta que é, costuma cantar a sua, Regeneração.
Canta também a aldeia adotada, Teresina. Embora, numericamente, seja outro poeta, Paulo Tabatinga, quem mais tenha (des)cantado Teresina em poemas. “Tristheresina”, gritava Torquato, o Neto.
Patativa do Assaré deitava a voz: “Cante de lá que eu canto de cá”. “Meu caminho pelo mundo eu mesmo faço”, acode Gil com seus acordes à Bahia, que lhe deu régua e compasso.
Quando Tom Jobim meteu o ‘corcovado’, o bairro de Ipanema com sua garota, na Bossa Nova, isso foi algo ‘nacional’. Mas se alguém debulha poesia sobre Teresina, Regeneração ou Pedro II (que têm em comum o fato de serem cidades do Piauí), isso é tratado como regionalismo (vale dizer, ou insinuar, que se trata de ‘arte menor’). Ora, senhores e senhoras, pra cima de moi, não!!!
Só há dois tipos de arte: a bem feita e a mal feita. E há critérios objetivos e subjetivos para avaliá-las. Essa tarefa, socialmente, compete à crítica. Ao leitor compete ler (e gostar ou não gostar). Mas gosto se discute, sim. Depois que a gente descobre que há uma ideologia que a tudo permeia (risos).
Depois a gente descobre que o leitor também é um crítico (no sentido positivo desse termo), mas o próprio autor ou autora o é. O professor que comenta a obra é crítico também e seus alunos, idem.
Em outras palavras, a obra literária está, a todo momento, ‘sob fogo cruzado’. E isso é bom, pois uma obra literária que ‘dormisse em berço esplêndido’ assinaria seu atestado de óbito.
Para Aristóteles, a natureza é um fluxo ininterrupto de devires, acontecimentos e processos. O artista (o poeta) parte da natureza através de um ato mimético (imitativo), tomando para si aquilo “que está logo ali diante de seus olhos” como modelo.
Todos os mitos nascem dessa observação da natureza, dos fenômenos naturais (chuva, trovão, vento) antropomorfizados, trazidos para o mundo humano. Nascem também os poemas, os romances e tudo o mais.
Ora, o que está logo à vista, nos momentos primeiros da vida é… ‘Nossa aldeia’. E Climério Ferreira tem razão, ele não é regional. É poeta, “irmão das coisas fugidias” e atravessa “noites e dias no vento” (Cecília Meireles).
Só para entrar no tom, se Tom ao falar do Rio não era regionalista, Climério, ao falar de sua Regeneração, também não o será. É poeta maior, universal, sem, contudo, esquecer-se de sua aldeia.
*(Fotos: Climério Ferreira, Torquato Neto, Tom Jobim, Cecília Meireles, Fernando Pessoa, Patativa do Assaré, Aristóteles e Paulo Tabatinga. Todas de domínio público).
ERNÂNI GETIRANA (@ernanigetirana) é professor, poeta e escritor. Autor de “Lendas da Cidade de Pedro II”, dentre outros. Pertence à: APLA, ALVAL e ao IHGPI. Escreve para esta coluna às quintas-feiras.