Apontada como uma importante ferramenta para apurar atos de violência cometidos por e contra policiais militares em serviço, a adoção de câmeras corporais ainda é tímida no Brasil. Apenas 8,8% dos agentes usam o dispositivo, segundo levantamento do UOL com secretarias de Segurança Pública dos 26 estados e do Distrito Federal. São Paulo, Rio de Janeiro e Santa Catarina concentram mais de 92% dos equipamentos.
O que aconteceu
Sete estados informaram usar o equipamento, o equivalente a 26% das unidades da federação. São eles:
- Minas Gerais
- Pará
- São Paulo
- Santa Catarina
- Rio de Janeiro
- Rio Grande do Norte
- Roraima
Juntos, eles têm 27.184 câmeras em operação. No total, o país tem 308.963 policiais operacionais —aqueles que prestam diretamente os serviços de segurança pública nas ruas, sem contar os que estão no serviço administrativo.
A reportagem usou dados do número de policiais compilados pelo Ministério da Justiça, de 2022, o mais recente disponível. Nenhuma das secretarias que usam os equipamentos informou seu efetivo.
18 unidades da federação informaram estudar, testar, ter processos em andamento para a compra ou aguardar a definição do Ministério da Justiça sobre o tema. A pasta elaborou um projeto de lei que busca institucionalizar o uso dos equipamentos.
Mato Grosso informou não usar câmeras e não disse se pretende adotá-las. O comandante-geral da PM de Mato Grosso, coronel Alexandre Mendes, já se posicionou contra a política. O estado registrou 96 mortes decorrentes de intervenções de policiais militares em 2022, segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública.
Goiás disse que não utiliza o equipamento e nem há prazo para que isso aconteça. Em 2022, 538 pessoas morreram em decorrência de ações policiais. O Ministério Público pediu à Justiça que policiais usassem câmeras corporais durante as ações. A Justiça determinou a instalação delas, mas o governo recorreu, e a liminar foi suspensa.
SP, RJ e SC concentram maioria das câmeras
Entre os que adotam os equipamentos, apenas São Paulo, Rio de Janeiro e Santa Catarina têm mais de 10% de suas tropas com câmeras. Os três estados reúnem 92% dos equipamentos em operação no Brasil.
Rio Grande do Norte tem o menor percentual de agentes com câmeras: 0,2%. São 15 equipamentos para 6.618 agentes. Segundo o governo, os planos para expandir esse número ainda estão em nível de planejamento. Já Roraima conta com 40 equipamentos, o equivalente a 2,8% de policiais monitorados.
É importante ressaltar que nem todos os policiais trabalham ao mesmo tempo. Por isso, o número de câmeras disponíveis por turno pode ser maior. Santa Catarina, por exemplo, diz que o uso e a quantidade atuais das câmeras estão projetados para que pelo menos um dos policiais de cada guarnição esteja equipado. São 2.245 câmeras e 8.776 PMs operacionais.
Lentidão se deve à tensão política entre governadores e corporações, diz o pesquisador Marcos Rolim. A decisão de adotar as câmeras cabe ao governador.
“Os governadores não têm gestão sobre as polícias brasileiras. Eles negociam com elas porque há muito temor de que uma medida considerada impopular entre os policiais possa trazer impacto muito negativo no seu governo. E eles têm razão em temer isso, porque as polícias são forças que podem permitir avanço da criminalidade, boicotar governos.” Marcos Rolim, pesquisador em direitos humanos
Também há um processo recente de radicalização, diz o autor de um artigo científico recente comparando experiências internacionais de uso de câmeras corporais. As polícias de ao menos 25 países utilizam câmeras corporais.
Em São Paulo, as câmeras passaram a ser usadas em 2020. Depois que a Polícia Militar passou a adotar o equipamento, a letalidade provocada por policiais em serviço caiu 62,7% no estado, passando de 697 mortes em 2019 para 260 em 2022. No entanto, reportagem do TAB mostrou que PMs paulistas aprenderam a manipular câmeras corporais e a burlar o sistema de armazenamento das imagens captadas em serviço. Depois de questionar a efetividade dos equipamentos, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) afirmou avaliar a possibilidade de adquirir mais câmeras.
‘Seguir a ciência é adotar as câmeras’
“No Brasil, se faz segurança pública muito mais pela ideologia que pela ciência. A câmera protege o policial, ela é favorável à população. Se for seguir a ciência, você irá adotar as câmeras.” Rafael Alcadipani, professor da FGV e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
“A história do Brasil, especialmente na área da segurança pública, é o desenvolvimento de políticas que não dialogam com a ciência. Se há um critério efetivo que impeça a manipulação de imagens, um conjunto de cuidados básicos, é muito importante o uso da câmera para a redução de violência, mesmo em alguns países que não têm uma tradição de violência policial.” Marcos Rolim, pesquisador em direitos humanos