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quinta-feira, novembro 28, 2024
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A sucuruju da barragem (*)

No tempo do caneco de sola os moradores da pequenina Pedro II costumavam tomar banho, além do Pirapora e do Bananeira, na Barragem do Seu Lauro Cordeiro.

 

Em tempo de inverno bom a barragem de seu Lauro Cordeiro enchia que chegava a sangrar de dar gosto, o que só aumentava o número de banhistas afoitos. Era homem bêbado tilimbungando dentro da barragem, era menino que mais parecia uma piaba, era moça quase sem roupa, era velho se fazendo de novo, até cachorro mergulhava na barragem atrás de seu dono.

Os vendedores da caipirinha, de torresmo com farinha, de suco de umbu cajá, de mariola e de muitas outras coisas gostosas quase não davam conta da freguesia que fazia fila para comprar seus produtos debaixo do pé de faveira que nessa época do ano botava umas bolotas enormes vermelhas como sangue.

Mas tudo isso começou a correr o risco de acabar quando alguns moradores nas imediações da barragem deram para ouvir uns esturros vindos das profundezas das águas turvas e formando enormes redemoinhos na superfície líquida.

A coisa foi piorando a tal ponto de as pessoas saírem de casa decretadas para tomar banho e chegando lá, não ter coragem nem de triscar o dedão do pé na água do sangradouro da barragem com medo do monstro.

E as histórias de que muita gente ouvia os esturros saindo das locas submersas na massa de água turva foram ganhando a imaginação das pessoas até que um dos moradores disparou o verbo e disse que então só poderia ser mesmo era uma sucuruju.  

Um magote de moradores resolveu, então, ficar de tocaia a noite todinha, mesmo com o danado do frio nos lombos. Agasalharam-se com o que podiam. Haviam preparado um tacho fumegante cheio de pimenta de tudo o que era qualidade.

É que um antigo morador da redondeza, com a sabedoria de seus quase cem anos disse que a única maneira de fazer a sucuruju sumir de vez era obrigá-la a engolir um tacho cheio de pimenta de cheiro com salsa e feijão que de longe já fazia a gente começar a chorar sem querer de tanto ardor.

E assim foi. Depois de ficar de tocaia desde o começa da noite, o magote, já de madrugada começou a ouvir uns esturros, uns grunhidos de meter medo em qualquer um. Esperaram os esturros aumentar até avistarem no meio da barragem uma enorme sucuruju cuja pele escamosa só pôde ser vista devido ao fraco brilho da lua.

A gigantesca sucuruju, então, elevou a cabeçorra para fora d’água por mais de uns cinco metros de altura criando uma onda colossal que jogou toneladas de água por cima da parece da barragenzinha.  O restante do corpo do bicho permaneceu submerso. A língua horrenda para fora detectando os cheiros ao redor, principalmente o cheiro suculento do enorme tacho que já boiava bem perto dela. Ao redor da danada havia para mais de quinze cabeças de zumbis de gente afogada que se tornaram escravas da gigantesca cobra e a obedeciam em tudo, bastava ela sibilar as ordens.

A medonha ordenou que as cabeças dos afogados fossem buscar o tacho e quando isso foi feito a enorme sucuruju abrindo a boca para mais de três metros engoliu a feijoada de uma tacada só. Em seguida deu um grande arroto e um gemido de dor profundo. A feijoada apimentada já estava fazendo efeito. O monstro infernal contorceu-se de dor de barriga e mergulhou nas águas turvas deixando uma enorme onda de espuma na superfície. As cabeças dos afogados ao terem o encanto quebrado sumiram para todo mundo ver em pleno ar. (Dizem que o coveiro depois relatou que apareceram em cada um dos túmulos onde havia afogado enterrado lá no cemitério). Mistério.

Desde esse dia, as pessoas que quiserem tomar banho na barragem, para não serem pegas pela sucuruju devem nadar com uma pimenta de cheiro presa nos dentes pelo talo. Só assim terá alguma garantia de que aquele monstro não irá surgir de repente para engolir a pessoa com a pimenta e tudo.

(*) A lenda faz parte do livro “Lenda da Cidade de Pedro II’.4ª edição, Teresina, Haley, 2017. 44 p. il .

ERNÂNI GETIRANA (@getirana) é professor, poeta e escritor. É autor, dentre outros livros, de “Lendas da Cidade de Pedro II”. É membro da APLA, ALVAL, IHGPI. Escreve às quintas-feiras para esta coluna.

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