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Com jeito, estímulo e paciência a meninada escreve, sim

Depois de alguns anos lecionando em universidades e faculdades, voltei a lecionar no Ensino Fundamental Maior, oitavos anos. Como professor de Língua Portuguesa, umas das minhas preocupações compartilhadas com meus alunos é que nós, usuários da língua, temos o direito de usá-la de várias formas e maneiras, sendo uma delas ‘poder inventar (e escrever) histórias’.

 

Geralmente costumo pedir que as turmas elejam as melhores histórias de cada mês. Aqui estão duas delas escritas e ilustradas por seus respectivos autores. Claro que cada história passa por várias versões até ficar ‘no ponto’, como eles e elas dizem. Matheus e Leonardo foram meus alunos esse ano de 2023 na escola municipal ‘Monsenhor Lotário Weber’, Pedro II, Piauí.

 

A mulher de preto
(Leonardo Araújo Campelo, 14 anos)
Numa cidade pequena, em pleno meio dia, um repórter viu uma mulher vestindo uma roupa comprida e totalmente preta dando com a mão em frente à sua casa, mas ficou calado e não fez nada.

Mas pelo sim e pelo não tirou uma foto dela e foi trabalhar. Noutro dia um menino estava sentado na calçada e, de repente, aquela mulher passou correndo e gritando. O menino, sem saber o que fazer, correu atrás dela, afinal ela podia estar com problemas.

De repente ela entrou no Cemitério e o menino morrendo de medo entrou atrás até ela parar num túmulo. Um pássaro que passou fazendo zoada e tirou a atenção do menino, e quando ele se virou para o túmulo de novo, não viu mais a mulher.
Mesmo assim foi até lá e encontrou uma agenda perto da cruz. Abriu todo trêmulo e leu:

– Quando eu era viva, gostava muito de pela praça desta cidade. Mas um dia me mataram porque descobri um segredo. A notícia se espalhou.

O repórter, querendo ganhar muito dinheiro avisou que tinha feito uma foto dela, mas quando foi ver no celular não havia nada da mulher, só a foto da rua deserta.

A história do anu-de-fogo

(Mateus Fortunato Assunção, 14 anos)

Há muito e muitos anos, era mais um dia normal de um menino que morara em um sítio perto do Mirante do Gritador com os pais e em uma das vezes que o menino foi guardar as poucas cabeças de gado que possuíam, espantou sem querer uma rês e esta o chifrou na perna provocando séria hemorragia. A coisa piorou ainda mais quando em seguida o cavalo se assustou e derrubou o menino no chão.

Quando já à noitinha o pai deu pela falta do filho, juntou uns amigos e foram atrás do rapaz já na noite escura. Até que o encontraram caído ao chão. O pai colocou logo o ouvido no peito do rapaz e o coração batia. Estava apenas desmaiado e um pouco arranhado. Levaram ele para casa.

No dia seguinte o rapaz acordou bem e contou essa história. Sentia muita dor da chifrada da rês e perdia sangue. De repente viu um pássaro enorme, um anu-de-fogo, saindo lá das bandas do Morro do Gritador, veio voando e ficou pairando sobre ele. Trazia em suas garras uma espécie de plantas ramadas com cinzas que ele jogou na perna do rapaz. E foi isso que curou ele.

O pai, a mãe e os amigos mal podiam crer no que o rapaz dizia, mas aquela cicatriz em sua perna que não havia antes, não deixava qualquer dúvida.


ERNÂNI GETIRANA (@ernanigetirana) é professor, poeta e escritor. É membro da APLA, ALVAL e da UBE-PI. É autor, dentre outros livros, de “Debaixo da Figueira do Meu Avô’ (Livraria Entrelivros, Teresina). Escreve às quintas-feiras para essa coluna.

 

 

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