Vamos dizer que a casa de Tia Doca era uma casa grande, alta e comprida e ficava em uma esquina, como de fato. A porta da frente dava para a avenida com nome de coronel, assim como seis das oito janelas que a casa tinha. A porta da frente era de puro cedro e envernizada. Ficava aberta o dia todo. Naquele tempo as casas costumavam ter as portas e as janelas abertas, escancaradas.
As seis janelas, também de cedro, ficavam três de cada um dos lados da porta da frente e eram igualmente envernizadas. Contudo, embora também ficassem abertas, em cada uma havia um para-sol feito de cambraia pregado com tachinhas em um retângulo de madeira com uma cruzeta em forma de X ligando os ângulos opostos.
Quem passasse ali não conseguia ver o que havia dentro da casa, a não ser que ficasse nas pontas dos pés. Tia doca fazia questão dos para-sóis, um para cada janela. Era muito bom para evitar poeira e olhares curiosos. Hein, hein. A sétima e a oitava janelas ficavam do lado, na ‘rua do aguaceiro’, que era como Tia Doca chamava a outra rua.
A sétima janela estava sempre fechada, pois era a janela do quarto da papa-ôvo, uma cobra de veado legítima que botava guarda dos surrões de farinha, milho e feijão ali estocados no ‘quarto da esquina’ e tinha como missão comer os ratos que por acaso entendessem de querer roubar comida. Ah, sim, e espantar os meninos curiosos.
Além destas duas janelas laterais, lá mais adiante dando para a varanda havia a porta lateral, menos imponente do que a porta principal. Tanto assim que era dividida ao meio. A parte de cima ficava sempre aberta e a debaixo, fechada. Depois desta ainda havia uma janelinha bem alta e pequena, já quase chegando na cozinha.
Aí começava a cozinha e depois desta era só muro até perder de vista e que ia dar lá na rua de trás (que nem rua era, de tantas locas, pés de espinhos e capim que tinha). Mas aqui já estamos falando da casa da Doca, mulher feita, casada e morando já na cidade. Mas não da Doquinha, menina nascida no interior, inteligente, astuta e fazedora de um tudo. Mas não seja por isso, vamos encontrar a Doquinha lá quando menina, mocinha ela era.
ERNÂNI GETIRANA (@ernanigetirana) é professor, poeta e escritor. Autor de vários livros, dentre eles, “Lendas da Cidade de Pedro II” e “Debaixo da Figueira do Meu Avô”.