Nesse 7 de setembro de 2023 faz exatos 201 anos da Independência do Brasil. Mas de que tipo de ‘independência’ estamos falando mesmo?
O Grito do Ipiranga (palavra que em tupy guarani significa ‘rio vermelho’) se deu a 7 de setembro de 1822, por D. Pedro I, uma vez que seu pai, D. João VI, acompanhado da esposa e de sua corte, havia regressado a Portugal, em 1821, para assumir o governo por lá. Portugal estava mergulhado em uma contenda que ficou conhecida como “Revolução Liberal do Porto”. Dessa forma, a família real abocanhava o Brasil e Portugal de uma só mordida.
Lembremos de que o Brasil só aboliu a escravidão em 1888 (66 anos após o Grito do Ipiranga), nesse quesito foi o último país do mundo a fazê-lo. E a escravidão foi abolida não porque os donos do poder ficaram condoídos com os sofrimentos dos escravizados.
Não foi uma questão de ‘peso na consciência’. E eles não tinham esse peso na consciência simplesmente porque a Igreja Católica dissera que os ‘negros escravos não tinham alma!’, portanto não eram criaturas de Deus. Eram coisas. Máquinas de trabalhar.
A Abolição foi uma questão meramente econômica. Como o mercado do açúcar havia sido monopolizado pelas Antilhas, devido ao emprego de engenhos mecanizados, o açúcar brasileiro (que utilizava força animal e humana) perdeu status comercial e começou a dar prejuízo. Então, ‘manter escravos’ deixava de ser um bom negócio.
Os escravizados, após 1888, contudo, da noite para o dia, ficaram ao Deus dará: sem emprego, analfabetos, sem terras, totalmente desassistidos. Largados à própria sorte, viriam a constituir as primeiras favelas do país.
Milhões de pessoas sem as mínimas condições concretas de levar uma vida digna. Vidas saqueadas. Uma maioria sem poder de barganha. O que não significa ausência de indignação e de movimentos por libertação e direitos. Houve muitos. A Revolta dos Malês (Bahia, 1835), a Batalha do Jenipapo, (Piauí,1823), são apenas dois de um rol de manifestações populares por direitos e dignidade.
Mas o que tem a ver o 7 de setembro com tudo isso que acabamos de listar? Tem a ver com o fato de que a imagem que a elite sempre ‘pintou’ do povo brasileiro, como um povo ‘passivo’, ‘submisso’, ‘cordato’, não corresponde em nada aos fatos. A propósito, um dos ícones dessa visão distorcida (ideologizada) é a pintura “Independência ou Morte”, de Pedro Américo.
O Conselheiro Imperial Joaquim Inácio Ramalho encomendou a referida obra (a mando de D. Pedro II), a esse artista, em 1886, portanto 64 anos após o fato ocorrido. Ela deveria ser entregue no prazo de três anos. Nela o povo brasileiro é representado por um único espectador que não participa de nada, anda a pé e é totalmente ignorado pelos demais. É pintado no canto esquerdo inferior do quadro.
P.S. Pedro Américo estudou na Europa (onde o quadro foi pintado) com os estudos pagos pelo Imperador. A pintura é ufanista/idealista. Hoje já se sabe plenamente que D. Pedro I montava um jeque (porque cavalo não passa montado em pedregulho) e estava com dores estomacais. Do ponto de vista da arte trata-se de uma portentosa pintura com dimensões de 4,15m X 7,60 m e encontra-se no Museu Paulista.
ERNÂNI GETIRANA (@ernanigetirana) é professor, poeta e escritor. Faz parte da APLA, ALVAL e do IHGPI. É o organizador da Coletânea “Raspa do Mameleiro” e escreve para esta coluna sempre às quintas-feiras.