O STF (Supremo Tribunal Federal) tem maioria para tornar obrigatória a criação do juiz das garantias no país. Até o momento, seis ministros consideram que a nova figura jurídica deve ser instituída pelos tribunais, mas há divergências quanto ao prazo e a forma para que isso ocorra.
O que aconteceu
O STF discute diversos pontos do chamado pacote anticrime sancionado por Jair Bolsonaro (PL) em 2019, incluindo a criação do juiz das garantias.
Os ministros Dias Toffoli, Cristiano Zanin, André Mendonça e Edson Fachin defendem um período de 12 meses para a instituição da figura jurídido, prorrogáveis por mais 12. Alexandre de Moraes propôs 18 meses, mas considera acompanhar os demais colegas.
O ministro Nunes Marques, que votou hoje (17), defendeu um prazo mais alargado: 36 meses. Para ele, é necessário um período maior para os tribunais adequarem o novo modelo a seus orçamentos.
O juiz das garantias atuaria em processos penais na fase de investigação. Ele seria responsável pela aprovação de medidas cautelares e investigativas, como prisões preventivas e quebras de sigilo.
O julgamento do acusado, no entanto, ficaria com outro magistrado. Defensores do modelo dizem que o juiz das garantias permitira mais imparcialidade no processo.
A lei institui que juiz das garantias atuaria no caso até o recebimento da denúncia contra o acusado – ou seja, quando a pessoa se torna ré.
A maioria dos ministros do STF, porém, defende que a competência deste magistrado se encerra no momento em que o Ministério Público oferece a denúncia. Dessa forma, outro magistrado ficaria responsável por avaliar o recebimento da denúncia e, também, o julgamento do acusado.
Ministros defendem obrigatoriedade
A discussão sobre o juiz das garantias se arrasta há oito sessões e o indicativo é que o julgamento deve prosseguir na próxima quarta-feira (23). Ainda restam o voto de quatro ministros.
Hoje, o ministro Alexandre de Moraes concluiu a leitura de seu voto iniciado ontem – para ele, a criação do juiz das garantias não deve ser confundida com um sinal de imparcialidade dos magistrados que atuaram nos processos criminais até o momento.
“Não acho justo com os juízes criminais dizer que o juiz de garantias vem para garantir a imparcialidade dos julgamentos. É um modelo que o legislador adotou e o que temos que analisar é se essa opção é constitucional ou não”, afirmou.

“A discussão foi para um lado em que tudo que foi feito até agora foi ruim em virtude de uma ou outra questão problemática e que o juiz de garantias, de uma hora para outra, vai melhorar 500%. Não é verdade isso. Se nós deixarmos transparecer isso, estaríamos sendo injustos com o Ministério Público e o Judiciário e criaríamos uma falsa expectativa” – Alexandre de Moraes, ministro do STF
O ministro Nunes Marques acompanhou os colegas que defendem a obrigatoriedade do juiz de garantias, mas fez uma ressalva para que o período de instalação seja maior. A justificativa do ministro é a necessidade dos tribunais planejarem espaço no orçamento dos anos seguintes para a criação do novo modelo.
Na semana passada, o ministro Cristiano Zanin também defendeu a obrigatoriedade do juiz de garantias. Em seu primeiro voto na sessão plenária do Supremo, Zanin disse que o modelo seria uma forma de garantir julgamentos imparciais no país.
“A existência do juiz das garantias poderá mudar o rumo da Justiça brasileira ao garantir maior probabilidade de julgamentos imparciais e independentes, permitindo que o sistema penal seja potencialmente mais justo” – Cristiano Zanin, ministro do Supremo
Fux segue isolado
O relator, ministro Luiz Fux, votou contra a obrigatoriedade do juiz das garantias, mas segue isolado no plenário. Ministro mais alinhado aos pleitos da magistratura, Fux considerou que a lei que instituiu o juiz das garantias invadiu as competências do Judiciário e que a instalação do modelo deveria ser opcional.
Pelo voto de Fux, cada tribunal e Estado poderia optar em instituir ou não o juiz das garantias de acordo com suas realidades.
O ministro disse que a medida era um “canto de sereia” para corrigir falhas do Judiciário, mas que poderia acarretar problemas aos tribunais em um cenário de poucos magistrados e comarcas que contam com apenas um juiz.

“O juiz das garantias não passa de um nome sedutor para uma cláusula que atentará contra concretização da garantia constitucional da duração razoável dos processos, do acesso à Justiça para normatividade dos direitos fundamentais.” – Luiz Fux, ministro do STF
As dificuldades orçamentárias e logísticas são os principais pontos levantados por associações de magistrados para se opor ao modelo desde a sua criação, em 2019.
O que é o juiz das garantias
A figura foi criada no pacote anticrime sancionado pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL) em dezembro de 2019. O modelo foi instituído na esteira da Vaza Jato e acusações de parcialidade de Sérgio Moro.
Pelo modelo, o juiz das garantias seria responsável por autorizar medidas de investigação, como quebras de sigilo, prisões temporárias e preventivas.
Após o recebimento de denúncia, o juiz das garantias então passaria o processo para um segundo juiz, a quem caberá a instrução (fase do processo em que são produzidas provas e colhidos depoimentos) e o julgamento.
A criação do modelo, porém, foi inicialmente adiada em seis meses por Dias Toffoli, então presidente do STF. A mudança acabou travada por Luiz Fux, relator do processo, que em decisão liminar paralisou a instalação do juiz das garantias – o ministro só liberaria o caso para julgamento três anos depois.
Fux justificou a demora alegando que estava fazendo uma deferência ao Congresso, que havia prometido alterações no texto sancionado por Bolsonaro.