O 8 de março, como sabemos, é o “Dia Internacional da Mulher”. A data foi instituída pela ONU (Organização das Nações Unidas) em oito de março de 1977 e remete a dois fatos marcantes: o incêndio criminoso nas lojas Triangle Shirt Waist, em Nova York, Estados Unidos em 1911, no qual perderam a vidas mais de uma centena de mulheres e a Marcha das Mulheres Russas Por Pão e Paz, em 1917.
Estudos arqueológicos (Furquim, L.P. e Jácome, C.P.) têm mostrado que o papel feminino nas comunidades humanas de todos os lugares é de fundamental importância para a conservação e continuidade de espécie humana (Homo Sapiens Sapiens). Alguns desses estudos apontam para o fato de que as mulheres não apenas cuidavam de suas crias, da casa e do fogo, mas, quando necessário, foram literamente à luta e pegaram em armas.
Esses estudos indicam que não há mais dúvidas de que as deusas dos povos de civilizações pré-metal, na Europa, eram todas femininas, cultuadas por vestais (mulheres sacerdotisas) e que somente depois da institucionalização das armas de ferro é que as sociedades antes matriarcais passaram a patriarcais (3.300 a.C. a 1.200 a.C.).
Essa questão é complexa e não há espaço aqui para descer aos detalhes. Diríamos, apenas, que todos as deusas foram ‘destronadas’ e no lugar delas erigiram deuses masculinos. O Islamismo e o Judaísmo, por exemplo, são frutos dessa reviravolta, por exemplo. E sabemos perfeitamente como ambas as religiões tratam as mulheres.
Minha filha mais velha postou nas redes sociais dela: “8 de março, dia da mulher. Não é uma data romântica, é uma data política”. Tendo a concordar com ela, embora eu mesmo haja postado poemas às mulheres nesse dia. Vamos a alguns dados: “o Brasil teve 3,9 mil homicídios dolosos (intencionais) de mulheres em 2022 (aumento de 2,6% em relação ao ano anterior); foram 1,4 mil feminicídios, o maior número já registrado desde que a lei entrou em vigor, em 2015; 12 estados registraram alta no número de homicídios de mulheres; 14 estados tiveram mais vítimas de feminicídio de um ano para o outro; Mato Grosso do Sul e Rondônia são os estados com o maior índice de homicídios de mulheres; MS e RO também têm as maiores taxas de feminicídios do país” (G1 de 08/03/2023).
Minha filha está coberta de razão. Eu diria que, ao lado das declarações melosas e sinceras dedicadas às mulheres no dia delas, é necessário também o debate, a palestra, o ato político na acepção plena deste termo.
As mulheres já são mais da metade nas universidades, estão em todas as faixas do mercado. Mas é preciso ter sensibilidade ao falar genericamente em ‘mulheres’ para perceber que o termo está no plural e que aí estão incluídas também as mulheres indígenas, negras, pardas, ciganas, pobres. E que mulheres ricas e brancas são ouvidas com ouvidos atentos pelas instituições do estado. Não se trata de tapar os ouvidos do estado, mas de fazer com que o estado abra os ouvidos também às outras mulheres.
Então, no ‘Dia da Mulher’, é preciso nos indagar sobre de que mulheres estamos falando e procurarmos conhecer/compreender a luta das mulheres desfavorecidas, por exemplo.
O 8 de março deve ser um dia de reflexão, de mostragem dos dados sobre a vida da mulher, em sua variedade, pelo país. E mesmo quando um homem como eu me boto a escrever um texto como esse, que tenta trazer questões sobre as mulheres para serem ao menos pensadas, posso estar cometendo omissões inconscientemente.
Sim, minha filha tem razão, o 8 de março não pode perder sua coloração política. No sentido amplo e democrático dessa palavra, claro.
ERNÂNI GETIRNA (@ernanigetirana) é professor, poeta e escritor. É autor de vários livros, dentre eles “Lendas da Cidade de Pedro II” (livraria Entrelivros, Teresina). Escreve às quintas-feiras para esta coluna.