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Festejos de Nossa Senhora, Fé e Tecnologia

Os festejos de Nossa Senhora da Conceição, no município piauiense de Pedro II, 195 km de Teresina, é um dos mais longevos do Estado do Piauí. Ele acontece de forma ininterrupta há mais de 160 anos. Mesmo durante os dois anos de pandemia por Covid 19, eles aconteceram ainda que de forma remota.

 

Possivelmente outros dirão sem titubear que os festejos de sua padroeira ou padroeiro é que são bonitos. Sem entrar no mérito dessa questão em se tratando desse tipo de evento, sou testemunha viva de como algumas coisas mudaram ao longo das décadas, embora outras tenham se mantido irretocáveis. Como a fé das pessoas.

Das coisas que mudaram, diria que a parte mais visível é a tecnológica. Até o início da década de 1990 a madeira era o material mais empregado. Usava-se madeira (palha e embira) desde a estrutura do altar, passando pelo ‘pau da bandeira’, da barraca de leilões, das barraquinhas de comida, às tábuas de pirulito, aos depósitos de cerveja, mesas e cadeiras; dos quiosques nos quais se vendiam de um tudo: roupa, brinquedos, espelhos, pentes, estojos de maquiagem, santinhos, às plaquinhas com aviso de venda de castanha, bolo, doce, leitoa assada (no mercado, claro).

Por outro lado, o couro de boi reinava soberano. O plástico era coisa de São Paulo e Rio de Janeiro.

O próprio cruzeiro do largo da igreja era também de madeira e perdurou até a década de 1960, quando foi posto abaixo a machadadas a mando de Frei Ivo. Eram de madeira todos os brinquedos do parquinho do senhor Baltazar.

A partir da década de 1990 a tecnologia foi-se instalando por todos os lados. Cruzeiro de cimento (uma ideia nossa para a ‘Romaria da Juventude’ que acaba de ir ao chão). O ferro (inoxidável) tomou de conta não apenas do pau da bandeira (agora uma haste ferrosa), como da cobertura do altar, bancos, mesas. Devendo-se, contudo, dizer que as cadeiras ocupadas pelos fiéis em sua maioria agora são também de plástico.

A aparelhagem de som, antes duas bocas de amplificadas que mais cuspiam barulhos e chiados do que propriamente a voz do padre e música, atualmente deu lugar a sistemas altamente equalizados e sonoramente perfeitos. Além do que as missas dos festejos são transmitidas via Wi Fi pela internet para todo o planeta.

Em dados momentos do evento, se olharmos de longe veremos um mar de flashes pipocando por toda a extensão da praça na qual se dá o ato religioso campal. Em segundos as redes sociais estarão entupidas de fotos e pequenos vídeos.

Na cocuruta da torre central da casa do Senhor, um cruzeiro de leds tremula suavemente num azul celeste de fazer inveja às estrelinhas que a tudo observam no vão do infinito da noite.

Pensando bem, ao fim das contas, além da fé do povo, há ainda o zigue-zague frenético das crianças deixando fileiras de pais e mães aflitos, há flertes fugazes entre adolescentes e a boa conversa entre velhos amigos que há muito não se viam.

Pensando bem, ainda há esperança, nem tudo navega pelas ondas de um mar de tecnologia e algoritmos sensorialmente domesticados.
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(PS: A bela fotografia que ilustra este texto é de autoria de Marcelo Coleta).

Ernâni Getirana é professor, poeta e escritor. É autor, dentre outros livros, de “Debaixo da Figueira do Meu Avô”. Escreve às quintas-feiras para esta coluna.
@getirana

 

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