FIM DE TARDE
Não é propriamente a tarde
Nem tão pouco o sol que a toma num beijo
Não é propriamente a aragem
Nem tão pouco as nuvens
Que a cobrem de leite
Mas sim essa saudade embrulhada em olhares
Que cortam as ruas
Esses olhares que escapam
Dos corpos humanos
Na ausência das falas
.
INSÔNIA
Os latidos dos cães não
cabem dentro da noite
que não cabe em minha solidão
minha solidão é essa
loba a morder-se a si mesma
andando em círculos
presa dentro do meu coração
O POEMA
Meu poema reto
De arestas escarpadas
Contido nessa cidade concreta
De cimento, vidro e mágoa
Soco seco desferido
Contra o estômago famélico do dia
Melancolicamente esboçado
Meu poema desmaiado do lado
Desses despossuídos bêbados e mendigos
E, no entanto, e, mesmo assim, vos digo:
Poema germinado em verbos-jardins
Na cegueira ambiental das flores
Detritos de saudade
Borrifados pela cidade em mim
Ernâni Getirana é professor, poeta e escritor. Autor, dentre outros livros, de Debaixo da Figueira do Meu Avô. Escreve às quintas-feiras nessa coluna.