Já conhecia Elmar Carvalho de um poema publicado pela Avant Garde, da queridíssima Marleide Lins, pela FUNDAC da série “poema postal”. Meu segundo contato com sua poesia seria em uma live promovida pelo professor Dilson Lages, da Academia Piauiense de Letras (da qual Elmar também faz parte), durante a pandemia por Covid. Na oportunidade analisei o poema “A Ponte da Memória”, em seguida o próprio Elmar enviou-me três livros seus. É sobre esse poema de que tratarei brevíssimamente aqui.
O poema possui 23 versos assim distribuídos: 2 blocos unidos por um vão composto por 3 versos. O primeiro bloco possui 8 versos e o segundo, 12. Mas se levarmos em conta que os últimos versos do segundo bloco funcionam como um desfecho, e a arquitetura da ponte estaria balanceada (do ponto de vista da ‘arquitetura’).
O primeiro verso do poema traz um neologismo em “o vento passavoante”, que é retomado no segundo verso em sua explicitação imagética: “pássaro voante”. O vão da ‘ponte’ é composto por: ‘volutas jônica/ogivas góticas/sacadas exóticas/”. Essa inserção histórico-temporal da qual também faz parte o verso “e empurra o casario antigo” dá sequência à ideia de movimento , mudança, deslocamento; ou seja, ocorre um ‘shift’ (deslocamento de sentido, de percpção). Aqui ousamos dizer que uma das chaves de leitura para este belo poema seria lê-lo levando-se em conta que os ‘shifts’, os deslizamentos propositadamente realizados pelo poeta seriam também como que ‘manifestações’ do vento soprante de encontro à ponte, delineando-a no espaço. Ou seja, o poeta usa do recurso do deslizamento para provocar uma onda sinestésica em quem o lê. Eis o poema.
A PONTE NA MEMÓRIA
O vento passavoante
pássaro voante
sob o arco-da-velha
sob o arco da ponte.
Baloiça os pés de oitis,
joga confete com suas folhas
e empurra o casario antigo
com suas: arcadas dóricas
volutas jônicas
ogivas góticas
sacadas exóticas
com suas parábolas e abóbadas.
O vento passalígero passalísio
e empurra o casario antigo
que navega parado
no tempo que navega
como um mar que navegasse
sob um navio ancorado
que se deixasse navegar.
Meu sonho de malas prontas
é passageiro e tripulação
do casario – navio que navega
ao se deixar navegar.
O artigo completo estou a escrever. Mais não digo.
Ernâni Getirana é professor, poeta e escritor. É autor, dentre outros livros, de “Debaixo da Figueira do Meu Avô”. Escreve às quintas-feiras para esta coluna.