A pintura, o gesto de pintar, acompanham a humanidade em todas as épocas e lugares do globo. Basta darmos a crianças lápis e papel e teremos tantos desenhos quanto o número de crianças. As pinturas rupestres estão a nos lembrar histórias imemoriais do Homo Sapiens, seus sonhos, seu cotidiano, seus anseios. A pintura e o desenho são formas as mais antigas de expressão da espécie humana.
Nossa modesta pretensão é lançar, aqui, uma primeira olhadela sobre a instigante e desafiadora pintura do pedrossegundense José de Arimatéa Junior (1990 – ), pintor, desenhista, (já com algumas exposições coletivas e individuais de sucesso no currículo), ilustrador, professor de Artes, formado pela Federal do Piauí e que vem construindo um universo pictórico pujante, cuja temática é a ‘condição humana’, mas pintada/desenhada sem maneirismos, sem dó nem piedade. Sua pintura possui um detalhismo nanométrico beirando no limite a ideia de fractal.
Todo pintor se afirma ao afirmar sua arte a partir do diálogo que sua pintura mantém com a de seus antecessores, ao mesmo tempo em que aponta para novos possíveis caminhos pois, no frigir dos ovos, o que o pintor pinta mesmo é pintura, como dizia Volpi (1896-1988). Arimatéa segue essa máxima do mestre à risca.
Sua pintura tem forte influência da pintura do cearense, de Cascavel, Darcílio Lima (1944-1991). Darcílio era conhecido como um pintor surrealista, escola, que como sabemos, tem em Salvador Dalí (1904-1989) seu expoente máximo e em Hieronymus Bosch (1450-1516) seu predecessor histórico. Parte considerável da obra darciliana incorpora, digamos, uma camada de forte erotismo. A nosso ver, esse seria o gancho (ou um dos ganchos) ao qual José de Arimatéa Amarra sua arte do ponto de vista conceitual.
Contudo, não podemos afirmar que sua arte se esgotaria em uma ‘arte erótica surrealista’. Melhor, talvez, seja dizer que a complexa arte de Arimatéa lança mão do erotismo para trazer à baila os meandros da experiência humana em sua máxima extensão. Diríamos mesmo que ela iria cobriria um arco que parte de uma fina ironia até algo que chamaríamos de necroerotismo. No dizer de Edward Lucie-Smith, as quatro características da arte erótica seriam: hedonismo, sentimento de culpa, crítica audaciosa da sociedade e transgressão pela transgressão. Diz ainda que se deve aliar pelo menos duas delas. No nosso entender, a terceira característica é a que melhor se encaixaria na arte de José Arimatéa, juntando-se a ela a quarta.
Esse artista possui uma sólida formação teoria advinda não apenas da academia, mas de leituras, além da troca de informação com outros artistas. Alie-se a isso a pesquisa e a prática cotidianas no bojo de sua desafiadora arte. Ele é do tipo de artista que sabe bem o que quer, mas permanecendo sempre aberto a novas experiências pictóricas. Poderia perfeitamente abrir mão desse seu universo pictórico em detrimento de uma arte mais palatável, de fácil decifração/aceitação por parte de um público mais amplo. Mas sabedor do valor do que faz (e isso é fundamental em Arte), segue nesse caminho que no que tem de desafiador, de ousado e de, num certo sentido, solitário, tem também de profundamente prazeroso tanto para o próprio artista quanto para os que admiramos sua arte.
Não cabe ao pintor definir os símbolos. O público que quer olhar para a imagem deve interpretá-la como a entende (Pablo Picasso, sobre sua pintura “Guernica”).
Ernâni Getirana é professor, poeta e escritor. É autor, dentre outros livros, de “Debaixo da Figueira do Meu Avô”. Escreve para essa coluna às quintas-feiras.