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Monteiro Lobato: De chapeuzinho a lobo mau?

A efeméride de 18 de abril próximo passado contemplou o ‘Dia Nacional do Livro Infantil’ em homenagem ao nascimento daquele que foi o inventor da literatura infantil no Brasil. Nascido em Taubaté, São Paulo, em 1882, José Bento Renato Monteiro Lobato formou-se em Direito, foi jornalista, pintor, dono de gráfica, de fazenda e de poço de petróleo. Com a morte dos pais, Lobato foi morar com as irmãs na fazenda do Buquira de propriedade de seu avô materno, o Visconde de Tremembé. Havendo ‘herdado’ do pai uma bengala com as iniciais JBML, mudou seu nome para José Bento Monteiro Lobato só para poder usar o artefato.

Já casado, vendeu a fazenda e foi morar na cidade de Caçapava, SP, e em seguida na capital do estado, dedicando-se inteiramente à literatura. Lobato escreveu tanto para criança como para adulto, sempre com um viés ufanista. Aqui trataremos apenas do ‘lobato infantil.’

As histórias infantis modernas surgiram, no formato livro, com a publicação de fábulas medievais adaptadas por dois autores alemães, os irmãos Grimm, Jacob (1785-1863) e Wilhelm (1786-1859). Lobato quando criança e adolescente os leu na biblioteca do avô. Isso somando-se ao período em que viveu na fazenda, certamente formaram a estufa de onde brotaria a sua rica literatura intantil. Por décadas seus mais de 50 títulos infantis reinaram soberanamente no imaginário de gerações de leitores Brasil afora. Nos últimos anos, contudo, Lobato tem sido alvo de uma série de acusações.

Muitos de seus críticos o acusam de racismo, pois veem humilhações sofridas por Tia Anastácia em ‘O Sítio do Pica-pau Amarelo’, por exemplo. Outros o acusam de preconceito contra idosos, pela forma como caracterizaria Dona Benta, outros ainda o acusam de brincar com a deficiência física do Saci. Lembremos que Lobato faleceu apenas três anos depois do fim da Segunda Guerra Mundial, e que a Lei que “Define crimes resultantes de preconceitos de raça ou de cor” é de 5 de janeiro de 1989. Isso não justifica o possível clima de preconceitos, de racismo inclusive, presente em algumas de suas obras, mas o explicaria em parte.

Condenar esse autor ao ostracismo literário, talvez não seja a melhor opção do ponto de vista pedagógico, sobretudo quando trabalhamos com crianças e adolescentes. Boicotar a leitura de sua obra ou suprimir tais ‘passagens preconceituosas’ com pó de pirlimpimpim moralista seria pura ingenuidade.

Contextualização parece ser o melhor caminho. Continuemos a ler e a nos encantar com a leitura de Lobato e, sempre que necessário, abramos a discussão acerca daquilo que nos parece preconceituoso, racista, machista em seus livros. Aliás, poderemos fazer isso com outros autores e autoras, a começar com os salmistas bíblicos, por exemplo, ‘muito mais preconceituosos’ que o autor de ‘O Sítio do Pica-pau Amarelo’. Não será proibindo a leitura de obras literárias que iremos formar criticamente nossos alunos, filhos e netos. Pelo contrário, agindo assim só contribuiremos para torná-los acríticos e simplórios, rasos.

Afinal de contas, até onde sabemos, somos herdeiros dos iluministas e não dos inquisidores que queimavam livros e pessoas em praça pública. Trasladar a figura do escritor José Bento Monteiro Lobato de avatar de ‘Chapeuzinho Vermelho’ para o de ‘Lobo Mau’ não resolverá a questão.

Ernâni Getirana é professor, poeta e escritor. É autor, dentre outroslivros, de “Debaixo da Figueira de Meu Avô”. Escreve sempre às quintas-feiras para esta coluna.

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