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Artigo – Dona Maria das Dores tirava as dores de todo o mundo

A benzedeira
Dona Maria das Dores
Tem ramos e flores perfumados
Para afastar as dores
Do corpo da gente: das dores, domados

Dona Maria das flores
Tem amores pelos humanos
Desses que se derramam em cântaros
Enquanto a mulher reza na carne doída da gente
A vida parece fazer sentido

Dona Maria dos amores,
Que é como a chamamos,
Tinha benzeduras e benditos
Ditos bem baixinho por sobre as cabeças orvalhadas
(Dos humanos que a procuravam com dores)
E Que entravam pelas orelhas da alma da gente
E nos deixavam completamente em paz.

Que a paz esteja para sempre com Dona Maria das Dores.


Coisa de uns trinta, quarenta anos atrás (não mais), era muito comum mães levarem seus filhos e filhas para serem bentos por senhoras já de uma certa idade que viviam geralmente nas periferias das cidades, sobretudo nas interioranas.

Eram em geral mulheres casadas (algumas já avós), que tinham filhos e além de afazeres domésticos, ajudavam o marido na roça e em outras atividades cotidianas. As doenças infantis de que elas tratavam tinham as mais variadas causas e nomes: espinhela caída, bucho inchado, lombriga, dor desviada, dor nos quartos, dor nas costelas, dor de cabeça, dor na moleira, moleira afundada, dor de dente, catarro, tosse, tosse braba, dor nos olhos, dor nas costas das mãos, dor no espinhaço, falta de apetite, fome canina, dor nas pálpebras, dor nas juntas, dor nas mãos e nos pés, até dor na alma.

Houve, porém, com o crescimento de um tipo de neopentecostalismo, uma crescente ojeriza a essas mulheres e suas práticas curativas, havendo casos de agressão física (note-se que geralmente elas não cobravam nada de volta, as pessoas é que lhes presenteavam com pequenas quantias em dinheiro ou alimentos, ou outro agrada qualquer).

Portanto eram anjos de Deus na Terra. Essa prática conhecida como ‘intolerância religiosa’ estende-se também, hoje em dia, às religiões de matriz africana. Mas o mais triste é o fato de que muitas destas mulheres benzedeiras terem sido doutrinadas por pessoas inescrupulosas que lhes disseram que o que faziam eram ‘práticas satânicas’ e que deveriam abandoná-las o mais rápido possível. Como quase toda a família já havia debandado para o ‘neopentecostalismo de resultados’, as coitadas não resistiram a lavagens cerebrais e passaram a negar seus dons curativos. Digo-lhes que isso tem sido um enorme crime feito a estas mulheres simples e de profunda humanidade. Deus está vendo e há de dar o troco.

Ernâni Getirana é professor, pesquisador, poeta e escritor e escreve nessa coluna às quintas-feiras.

Foto: Mayara Santana

 

 

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