O ministro Luís Roberto Barroso, do STF (Supremo Tribunal Federal), mandou o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), instalar uma CPI da pandemia da Covid-19.
Em sua decisão, Barroso afirmou que estão presentes os requisitos necessários para a abertura da Comissão Parlamentar de Inquérito, incluindo a assinatura favorável de mais de um terço dos senadores, e que o chefe do Senado não pode se omitir em relação a isso.
Além do potencial de agravar a crise política e da insatisfação do presidente Jair Bolsonaro, a determinação do ministro do STF retomou a discussão —acalorada nos últimos meses— sobre a disputa por protagonismo e a interferência entre Poderes.
Em entrevista à CNN Brasil, Bolsonaro disse que “não há dúvida de que há uma interferência do Supremo em todos os Poderes”. O presidente questionou ainda se, como há pedidos de impeachment de ministros do STF parados no Senado, não seria também oportuno analisá-los.
Pacheco afirmou que vai cumprir a decisão de Barroso, oferecendo segurança para os senadores e depoentes que frequentarem as audiências, mas manteve sua posição contrária à instalação da CPI durante a pandemia.
O presidente do Senado disse que a comissão neste momento será um “ponto fora da curva” e que pode “ser o coroamento do insucesso nacional no enfrentamento da pandemia”.
Pacheco também afirmou que as audiências da CPI podem ser uma antecipação da corrida eleitoral em 2022 e servir de “palanque político” para potenciais candidatos. Alguns senadores criticaram o que consideraram ser uma interferência indevida do Judiciário no Legislativo.
Barroso submeteu sua decisão para a análise da corte. O caso será julgado na próxima sessão virtual do Supremo, que começa em 16 de abril e vai até o dia 26 do mesmo mês. Nesse período, os magistrados deverão incluir seus votos no sistema.
A decisão é uma derrota para a base aliada do presidente Jair Bolsonaro no Congresso, que vinha tentando barrar a comissão para investigar a condução da pandemia. Desde o início da crise sanitária, o STF tem imposto derrotas ao governo, que, em declarações, testa os limites da corte.
Por meio das redes sociais, o ministro da Comunicação, Fábio Faria, que é deputado do centrão e está licenciado, criticou a decisão de Barroso.
“Num momento em que todos pedem união entre os Poderes, nos surpreendem decisões sobre uma CPI que em nada contribuirá para vencer a pandemia. Nossos esforços não deviam estar concentrados em combater a Covid-19 e vacinar os brasileiros? É hora de união, não de politização e caos”, disse.
O ministro também afirmou que, se forem investigar omissões e desvios na pandemia, “será uma vitória” de Bolsonaro, “que vai comprovar atuação responsável e íntegra”. “Vão atirar no que acham que viram e acertar no que não estão vendo”, escreveu.
Na decisão, Barroso afirmou que o contexto justifica a urgência necessária para atuar de maneira individual no processo.
“O perigo da demora está demonstrado em razão da urgência na apuração de fatos que podem ter agravado os efeitos decorrentes da pandemia da Covid-19”, disse.
O ministro do STF afirmou que a Constituição prevê três requisitos para instalação de CPI e todos “parecem estar presentes”. São eles: assinatura de um terço dos senadores; indicação de fato determinado a ser apurado; e definição de prazo certo para duração.
A oposição conseguiu recolher 32 assinaturas, cinco a mais que as 27 necessárias.
Não é a primeira vez que o STF determina a instalação de CPIs a pedido da oposição. Em 2005, o Supremo mandou instaurar a dos Bingos, em 2007 a do Apagão Aéreo, e em 2014 a da Petrobras.
A pressão para instalar uma CPI para investigar a atuação do governo no enfrentamento da pandemia representou um dos primeiros desafios de Pacheco na presidência do Senado.
Três dias após a sua posse, no dia 4 de fevereiro, a oposição anunciou que o requerimento do líder da oposição, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), havia recolhido as assinaturas necessárias.
O Palácio do Planalto vinha atuando para evitar a abertura da CPI e foi pego de surpresa com a decisão do ministro do STF. Auxiliares do presidente avaliaram a decisão como uma interferência em outro Poder e chegaram a classificar a posição do magistrado como absurda.
Na decisão, Barroso afirmou que não cabe ao presidente do Senado fazer uma análise de conveniência em relação à abertura da CPI e que ele é obrigado a fazê-la quando estão cumpridas as exigências da Constituição sobre o tema.
A decisão de Barroso foi tomada em pedido feito pelos senadores Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e Jorge Kajuru (Cidadania-GO).
O ministro afirmou que a Constituição é expressa em afirmar que não cabe juízo político do presidente das Casas Legislativas para decidir sobre abertura ou não de uma CPI.
“Trata-se de garantia que decorre da cláusula do Estado democrático de Direito e que viabiliza às minorias parlamentares o exercício da oposição democrática. Tanto é assim que o quórum é de um terço dos membros da Casa Legislativa, e não de maioria”, afirmou.
Por isso, o ministro afirmou que a manifestação do Senado enviada ao Supremo sobre o tema não merece prosperar, pois não tem fundamento jurídico.
“As razões apresentadas pela ilustre autoridade coatora, embora tenham merecido atenta consideração, seguem uma lógica estritamente política que, no caso em exame, não pode prevalecer”, disse.
O ministro afirmou ainda que a ação protocolada pelos senadores no STF discute o direito das minorias de fiscalizar as “ações e omissões” do governo federal no enfrentamento da pandemia.
Barroso também citou que o Supremo já tomou medidas similares e que sua decisão respeita a jurisprudência da corte. Segundo ele, é “incontroverso” que o objeto da investigação é um tema prioritário por se tratar da maior crise sanitária dos últimos tempos.
Pacheco foi eleito para comandar o Senado com o apoio de Bolsonaro. Ele qualificou a decisão do STF de equivocada e disse que, neste momento, “com a gravidade que a pandemia nos exige união, vai ser um ponto fora da curva”.
Para o senador, o país tem dois caminhos: o da união das instituições ou o caos. “O caos em que se antecipa, por exemplo, a eleição de 2022 num ambiente de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para poder intimar o governador A, o governador B, o prefeito A ou prefeito B”, criticou, acrescentando que esse cenário gera uma instabilidade jurídica inclusive para a contratação de vacinas.
Pacheco disse ainda que não é o momento adequado para instalar a CPI, pois o Senado está fechado para visitação e não tem comissões funcionando. “Fazer funcionar uma comissão que exija a presença física, para exame de prova, para elaboração de laudos periciais, exames de documentos, inquirição de pessoas, incomunicabilidade de testemunhas. São requisitos de uma CPI que exige que a CPI seja presencial.”
“Portanto o Supremo Tribunal Federal, a partir de uma decisão monocrática, quando determina ao Senado Federal que se instale uma CPI, faremos funcionar o único órgão presencial no Senado Federal. E obviamente decisão judicial se cumpre e eu vou cumprir a decisão do Supremo Tribunal Federal porque tenho responsabilidade institucional e cívica, mas será o único órgão a funcionar presencialmente no Senado Federal”, completou.
O presidente do Senado também acrescentou que vai atuar para garantir a segurança sanitária dos senadores, servidores e possíveis depoentes da comissão. Pacheco disse que ainda não definiu critérios para a escolha de relatores e também não comentou se senadores mais idosos, de grupo de risco, seriam excluídos da CPI por questão de segurança.
Além disso, afirmou que a CPI não vai substituir o papel do Ministério Público Federal ou Estadual, da Polícia Federal, Civil e da Controladoria Geral da União. “Não fará esse papel.”
Apesar de divergir da decisão, Pacheco afirmou que vai respeitá-la e que a medida será cumprida a partir da próxima semana, quando será lido o requerimento.
Além disso, ao ser questionado se esperaria o plenário virtual julgar a decisão para cumprir, o presidente do Senado alfinetou o Supremo e disse que, uma vez notificado da decisão monocrática, a obrigação de qualquer brasileiro, independentemente da posição que possua, é de cumprir a decisão.
“Se haverá desdobramentos de sessão virtual, de se ouvir o plenário do Supremo Tribunal Federal, essa é uma questão interna corporis do Supremo Tribunal Federal e eu não interfiro em questões interna corporis do Supremo Tribunal Federal.”
Segundo aliados de Pacheco, a decisão pegou o presidente do Senado de surpresa. Uma saída para o senador, contrário à CPI, seria instalar a comissão, mas os partidos podem se recusar a indicar membros.
A medida teve recepção mista no Senado. O mal-estar criado fez com que alguns senadores ameaçassem inclusive retirar a assinatura da CPI, como forma de protesto contra o que consideraram interferência em outro Poder. Havia dúvida, porém, se seria possível retirar o apoio. Outros expuseram publicamente a crítica contra a decisão de Barroso.
“Eu assinei a CPI da Covid. Não acho que uma decisão monocrática do membro de um Poder possa determinar o que um presidente de outro Poder faça”, diz o senador Omar Aziz (PSD-AM).
O líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), criticou a decisão. Para ele, a gravidade da pandemia exige que as atenções estejam voltadas para o enfrentamento da Covid-19.
Um dos autores da ação, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) afirmou que a decisão do Supremo apenas cumpre a Constituição e lamentou que o Senado não tenha instalado a CPI por vontade própria.
“A decisão do ministro Barroso segue o que a Constituição determina. É uma pena que seja necessário buscar o Judiciário para que o Senado cumpra a Carta Magna”, afirmou.
O líder da minoria, Jean Paul Prates (PT-RN), também lamentou o fato de que a decisão de instalação da CPI tenha partido do Supremo e não do próprio Senado.
“É lamentável que o Congresso dependa de uma decisão do Judiciário para garantir o direito da minoria. É urgente que se apurem as ações e omissões do governo no enfrentamento da pandemia”, afirmou.
O senador Otto Alencar (PSD-BA) se manifestou contrariamente à decisão do Supremo Tribunal Federal. O parlamentar, de postura independente, afirmou que não condições sanitárias para o funcionamento de uma comissão no momento atual e que as dependências do Senado são no momento um “covidário”. Por isso afirma que a decisão de Barroso “não foi sensata”.
“Primeiro requerimento que eu faria era [convite] do Barroso, para ver se ele teria coragem de vir para um ambiente fechado, para uma oitiva com 50, 60 pessoas dentro de uma sala”, disse.
Fonte: Folhapress