Pesquisas que apontam a derrota de Donald Trump na eleição de novembro são como sinais de fumaça que avisam ao republicano que ele terá de tirar uma carta da manga para se manter na Casa Branca.
Fumaça, entretanto, também é sinal de fogo, e as últimas cartadas de Trump para buscar a reeleição podem não surtir o efeito desejado. Nesta quinta-feira (22), quando enfrentará o democrata Joe Biden no último debate antes do pleito, o atual presidente deve usar a confirmação de Amy Coney Barrett para uma vaga na Suprema Corte americana como trunfo político e aceno à sua base conservadora.
Como o voto nos Estados Unidos não é obrigatório, parte do trabalho dos estrategistas de campanha é convencer eleitores simpáticos a determinadas causas a votar.
Professor de relações internacionais da FGV-SP, Eduardo Mello diz que essa característica da política americana é particularmente importante para os republicanos que, por tradição, têm menos apoio em números absolutos, mas são mais eficientes em mobilizar as bases.
“Trump vai usar essa cartada [a confirmação de Barrett] para mostrar o quanto ele tem feito pelas causas caras aos conservadores”, diz o professor. “Provavelmente, será um trunfo que vai render a ele alguns republicanos mais entusiasmados para sair de casa e votar.”
Como juíza no tribunal de apelações responsável por decisões nos estados de Illinois, Indiana e Wisconsin, Barrett deixou um rastro de votos nada progressistas, principalmente em questões relacionadas a direitos civis, como a legislação sobre aborto e acesso a armas.
Segundo modelo desenvolvido por pesquisadores da Universidade de Virgínia, votos da juíza no tribunal indicam que ela tem de 87% a 95% de probabilidade de tomar decisões consideradas conservadoras.
A reação pública à nomeação de Barrett reflete a polarização política dos EUA. Pesquisa do instituto Gallup divulgada na terça-feira (20) aponta que 51% dos americanos são favoráveis à confirmação da magistrada na Suprema Corte. Trata-se de porcentagem de apoio maior que a obtida por outros dois juízes conservadores indicados por Trump —Neil Gorsuch (45%) and Brett Kavanaugh (41%).
Segundo o Gallup, porém, nenhum outro indicado recebeu tanta oposição —46% dos americanos não querem que ela ocupe a cadeira que pertenceu a Ruth Bader Ginsburg, ícone progressista da Justiça americana que morreu em setembro, aos 87 anos.
Nesta quinta, o Comitê Judiciário do Senado americano deve votar a confirmação de Barrett e preparar o caminho para a nomeação final após votação em plenário na segunda-feira (26). Dez senadores democratas, entretanto, anunciaram que vão boicotar a votação com o intuito de obstruir o cronograma de aprovação.
“Não estamos dando o quórum que eles precisam. As regras exigem isso”, disse à CNN o líder da minoria no Senado, Chuck Schumer.
O boicote é visto como uma resposta às críticas de membros mais progressistas do partido que acusaram os congressistas de agregarem legitimidade ao processo de indicação de Barrett.
De acordo com as regras a que Schumer se refere, pelo menos nove dos 22 membros do Comitê Judiciário devem estar presentes durante as votações, incluindo dois senadores do partido minoritário —neste caso, o Democrata.
Para legitimar a votação, entretanto, os republicanos recorreram a outra regra que se sobrepõe à do comitê. A norma diz que “nenhuma medida, assunto ou recomendação deve ser relatada por qualquer comissão, a menos que a maioria da comissão esteja fisicamente presente.”
Como o partido de Donald Trump ocupa 12 das 22 cadeiras do comitê, o boicote dos democratas, segundo essa norma, não impediria o andamento da votação.
Com o Senado de maioria republicana, Barrett deve passar pela votação no plenário sem grandes dificuldades. Para Denilde Holzhacker, coordenadora no Núcleo de Estudos Americanos da ESPM, Trump não vai perder a oportunidade de transformar a aprovação em apoio político já no debate desta quinta-feira.
Fonte: Folhapress
Foto: Reuters